Quase metade do jovens brasileiros termina o ensino médio com atraso ( Correio Braziliense, 8/12/2014
Taxa cai assustadoramente entre estudantes pobres, negros e das regiões Norte e Nordeste, mostra levantamento com base nos dados da Pnad
ABAS
Publicação: 08/12/2014 07:18 Atualização: 08/12/2014 15:09
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Juan Dias concluiu o 3º ano neste mês. Ele aguarda o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e deseja fazer faculdade de artes cênicas. A diferença entre Juan e os demais colegas de classe do Centro Educacional 1 do Cruzeiro é que ele tem 22 anos e acumula três reprovações no histórico escolar: duas no 1º ano do nível médio e uma na 7ª série do ensino fundamental. Apesar de Juan ser uma exceção na escola em que estuda, essa é a realidade de quase metade dos jovens brasileiros, que não conseguem concluir a educação básica até os 19 anos, a idade ideal.
Levantamento que o movimento Todos Pela Educação (TPE) divulga hoje mostra, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, que apenas 54,3% dos estudantes brasileiros concluíram o ensino médio até os 19 anos. A proporção é inferior ao índice de 63,7%, estabelecido pela entidade como uma das metas a serem atingidas até 2022 em um esforço conjunto para garantir o direito à educação de crianças e jovens no país. Os dados para o ensino fundamental também não foram satisfatórios. Enquanto a meta sinaliza 84%, apenas 71,7% dos alunos conseguiram finalizar a etapa até os 16 anos. O monitoramento mostra que, entre 2007 e 2009, os indicadores almejados para o período foram atingidos, mas, desde então, têm se afastado do objetivo.
Alejandra Meraz Velasco, coordenadora-geral do TPE, explica que as metas iniciais previam um crescimento menor. “O início é um período de adaptação, mas esperava-se que em 2009 esse crescimento se acelerasse.” Ela sinaliza melhora no ensino fundamental, mas em ritmo lento, que gera uma situação de estagnação no ensino médio. “A expectativa era de que, conforme se corrigisse o atraso nos anos iniciais, mais crianças acabariam o ensino médio na idade adequada, mas isso não se verificou”, lamenta.
Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), José Francisco Soares discorda sobre a estagnação. “Quase todos os índices da educação brasileira estão crescendo. Não é o ideal, mas estamos avançando. É preciso reconhecer que o país não está parado, mas, como ele começou a se preocupar tarde com a educação, temos um caminho longo pela frente”, defende. Soares relembrou ainda que o governo se pauta pelo Plano Nacional de Educação (PNE), lei aprovada em junho de 2014, com 20 metas a serem alcançadas gradualmente até 2024.
Distorção
O estudante Juan Dias se sente prejudicado pelos anos que perdeu. “Se eu tivesse terminado no tempo adequado, já estaria na metade da faculdade, bem mais à frente”, considera. Outro aspecto observado na pesquisa, a taxa de distorção de idade por série, aponta diferença maior entre a idade adequada e a idade real dos alunos nos anos finais do ciclo básico. Alejandra, do TPE, avalia que isso ocorre pelo desestímulo do estudante que reprova e tende a repetir outras vezes, como no caso de Juan. “Uma criança que reprova, passa a frequentar um ano escolar errado e isso pode levar, a longo prazo, a outras reprovações e abandono. Isso aumenta de forma expressiva o número de alunos que saem da escola antes de concluir os estudos”, relaciona.
As consequências da reprovação são só um sintoma dos problemas encontrados na educação brasileira. “Eu não gostava da escola, era muito bagunçada, entrava quem queria, saía quem queria e os professores não davam uma boa aula”, reclama Juan sobre as outras três escolas públicas em que estudou antes de ingressar no Centro Educacional 1 do Cruzeiro.
O aluno conta que sentia dificuldades com o conteúdo, mas que as escolas não ofereciam reforço escolar. Para Alejandra, essa mãozinha é muito importante. “A reprovação não pode ser uma política pública, e a aprovação do aluno sem domínio das disciplinas vai levá-lo a não conseguir acompanhar as etapas seguintes, resultando no fracasso e no abandono escolar. A medida a ser tomada é o reforço no contraturno no decorrer do ano, de forma que a pessoa vá para o ano seguinte adequadamente.”
Desigualdade social
Outro aspecto revelado pela pesquisa é a desigualdade observada com relação aos aspectos socioeconômicos, raciais e regionais. Há uma diferença de aproximadamente 20 pontos percentuais entre jovens brancos e negros que concluíram os ciclos básicos da educação na idade adequada. Quanto à renda familiar, entre os 25% mais ricos, 83,3% dos alunos concluem o ensino médio até os 19 anos, enquanto entre os 25% mais pobres o índice cai para 32,4%. A situação é semelhante na educação fundamental. As regiões Norte e Nordeste apresentam taxa de conclusão inferior à média nacional, enquanto os melhores resultados estão no Sudeste.
Alejandra acredita que essas disparidades deveriam nortear as políticas públicas de educação. “Deve-se destinar mais recursos financeiros e técnicos àquelas regiões e grupos sociais que apresentam indicadores mais baixos”, afirma. José Francisco Soares, do Inep, defende que o governo federal busca essas soluções por meio de cooperação com os estados. Ele aponta que os investimentos em educação estão aumentando sistematicamente. “Hoje, são 6,4% do PIB (Produto Interno Bruto) destinados à educação, e o governo aprovou a alocação dos recursos do pré-sal para a mesma finalidade”, argumenta.
Alejandra conclui que os índices analisados sinalizam deficiências que devem ser corrigidas ao longo de todo o ensino. “Não tem como corrigir a idade de conclusão no ensino médio se não se resolvem todos os problemas que a educação pública enfrenta desde a educação infantil. A gente precisa cuidar da qualidade do ensino desde os anos iniciais.”
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