Folha de S.Paulo
Editorial
A LEI que fixou em R$ 950 o piso nacional para o salário de professor do ensino básico é pedagógica em mais de um aspecto. Além de ter avançado no rumo de padrões mínimos para o bom exercício do magistério, sua tramitação no Congresso foi exemplar do desleixo com que assuntos prioritários são acompanhados pelos governantes.
Sobre matéria que, em um ano e meio, atravessou várias comissões nas duas Casas até ser aprovada por unanimidade em julho, não se esperava o tipo de surpresa de que governadores e prefeitos agora se dizem vítimas. Reclamam, com razão, de dispositivos da lei -acessórios ao próprio teto- que redundarão, se aplicados, em despesas excessivas e ofensa à autonomia constitucional de Estados e municípios.
Em vez de ater-se a seu objetivo -cumprir a Carta e fixar um salário mínimo para o professor brasileiro-, a lei determina que nada menos que um terço da jornada de trabalho do docente seja reservada a atividades extraclasse. Não há motivo para norma federal descer a tal pormenor. Só as redes locais, estaduais e municipais, reúnem condições legais e materiais de decidir quanto tempo seus docentes dedicarão a preparar aulas, corrigir provas, atualizar-se na carreira etc.
O diploma exorbita, também, na tentativa de uniformizar a denominação legal do piso em todo o país. Por razões diversas, cada ente público tem um modo de remunerar seus servidores. Uns adotam mais gratificações e bonificações que outros. O que interessa a fim de que se cumpra o espírito de um salário mínimo nacional para professores é que a soma de todos os subsídios, dos profissionais da ativa e dos aposentados, não seja inferior a R$ 950 mensais.
A legislação sancionada pelo presidente Lula em 16 de julho, contudo, vai além. Estabelece que, a partir de 2010, todos os vencimentos sejam agregados numa única categoria legal. A medida ameaça criar, na prática, uma série de indexações em cascata na carreira -pois é comum que benefícios adicionais sejam calculados a partir do piso-, com conseqüências financeiras gravosas para muitos governos.
Outra indexação daninha -e desnecessária para cumprir o espírito do teto- é a que manda corrigir todo ano o piso por uma fórmula automática, a qual produzirá ganhos acima da inflação. Além de enrijecer ainda mais os orçamentos públicos, a medida vai minar promissoras políticas de remuneração, como as que premiam por desempenho.
Governadores e prefeitos, embora façam objeções sensatas à nova lei, são co-responsáveis pelo texto defeituoso. Se tivessem acompanhado o tema no Legislativo e acionado suas bancadas para corrigir a tempo os problemas agora verificados, teriam evitado o desgaste, que já se inicia, de uma nova empreitada legislativa -ou de uma batalha no Judiciário- para evitar impactos fiscais alheios ao objetivo, correto, de estabelecer um piso nacional para o professor.