Revista Cláudia, 09.08, pg. 64
O que têm em comum países tão diferentes como Finlândia. Coréia e Espanha? Não são os costumes nem a localização. O que os aproxima hoje é a prioridade absoluta que dão à educação.
Finlândia. Coréia e Espanha são bons exemplos de uma transformação radical no cenário econômico mundial ao longo das últimas décadas: a revolução provocada pela educação. Esse trio pôs em prática uma nova cartilha de políticas educacionais contínuas (os governos mudam, mas não o compromisso de mantê-las) e focadas: passaram a selecionar com mais rigor os professores, reformaram as leis educacionais e ampliaram o tempo de permanência na sala de aula. Como fruto disso, os três colhem intenso desenvolvimento social.
A competição econômica, a globalização e o surgimento de uma civilização baseada no conhecimento fazem com que a educação saia do plano da retórica, circule nos gabinetes de governo, invada as rodas de empresários e passe a integrar a agenda de todo cidadão.
Basta pensar no que vem acontecendo em nossas próprias casas. De repente, siglas como Enem. Pisa, Ideb e MBA passaram a fazer parte do planejamento do futuro dos filhos. Embora uma pesquisa realizada em 2006 pelo Ibope indique que a educação é apenas a sétima preocupação do brasileiro, atrás de drogas e desemprego, convém ficar de olho: em breve, estará entre as primeiras preocupações. O país começa a despertar para essa nova corrida do ouro.
Afinal, por que a educação faz tanta diferença? Trata-se de uma dimensão da vida em sociedade que afeta todas as demais. Incide sobre a qualidade da representação política, a distribuição de renda, o desenvolvimento econômico e a justiça social, afirma o ministro da Educação. Fernando Haddad. Talvez o impacto mais visível seja sobre a renda. Segundo um estudo realizado em 2007 pelo economista Marcelo Néri, da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, o salário médio de um médico pós-graduado chega a ser 22 vezes maior que o de um analfabeto.
Melhorar o nível de educação de um país incide até mesmo sobre o planejamento familiar. Aos 50 anos, uma mulher que completou ao menos o ensino básico tem, em média, um filho a menos do que o conjunto das mulheres dessa faixa etária.
O ministro destaca ainda a mudança de demandas dos menos favorecidos. “Com educação, a tendência é que as famílias exijam mais qualidade.”
Nossos vizinhos acordaram antes: em 1960, cerca de 21% da população do Chile tinha ensino superior. Hoje, são 36%. No Brasil, passamos de pouco mais de 12% para minguados 16% no mesmo período — menos da metade dos 36% que a Argentina registrava já em 1995, segundo dados da Unesco, o órgão das Nações Unidas para a educação e a ciência.
O caso da China é também emblemático. O economista Samuel Pessoa, da Fundação Getulio Vargas lembra: A China imperial do XIV atingiu níveis econômicos que o império britânico só alcançaria três séculos depois”.
Uma característica marcante da sociedade chinesa dessa época foi a meritocracia. Na elite dos mandarins (os altos funcionários públicos), a aquisição do conhecimento era condição básica para ascender.
Hoje, projeções mostram que a China quintuplicará o número anual de graduados do ensino superior até 2015. passando de 1 milhão para 5 milhões de pessoas — o dobro dos Estados Unidos.
No Brasil, a preocupação com a educação só virou política de governo nos anos 30, com Getúlio Vargas. Criou-se o primeiro Ministério da Educação. Frente a tanto o ex-ministro Paulo Renato de Souza lamenta: Começamos 100 anos depois de outros países latino-americanos, 154 anos depois da Europa”.
Como resultado, amargamos indicadores vergonhosos: em 1960, 46% da população brasileira era analfabeta e metade das crianças e jovens de 7 a 14 anos estava fora da escola. Hoje, o analfabetismo está em torno de 11% e não há crianças fora da escola, mas a briga é pela qualidade.
Paradoxalmente, o Brasil foi um dos países que mais cresceu ao longo do século 20. Para Paulo Renato, isso ocorreu porque o desenvolvimento se centrou em atividades primárias, como a agricultura e a exportação de minérios (que exigem pouca qualificação) e na manutenção de uma economia muito fechada.
O fato de termos uma população majoritariamente leiga levou à construção de uma das sociedades mais desiguais do planeta.
A educação é a saída para mudar esse cenário: hoje, sabe-se que o caminho não é crescer e investir em educação, mas educar para crescer.
Todos os países que passaram de subdesenvolvidos a devolvidos investiram muito em educação. Ou seja: educação antes, do progresso.
Como exemplo, o economista Samuel Pessoa lembra a Alemanha XIX - cujo pensamento determina as ânsias de desenvolvimento atuais, através do mundo! Nos Estados Unidos, a ligação entre Saber e Moeda predomina desde o XVIII. Mais recentemente, a Irlanda e a Espanha também estão crescendo após fazer uma minirrevolução educacional.
Para o ex-presidente do IBGE, Simon Schwartzman, diretor do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), o sistema econômico dependerá desse esforço. “Uma sociedade analfabeta precisará trazer especialistas de fora e será calcada na mão-de-obra desqualificada.”
A Coréia do Sul surge como o exemplo mais citado por economistas do mundo todo. Arrasado por uma guerra civil em meados do século passado, esse país viveu um surpreendente processo de desenvolvimento cuja locomotiva foi a educação. Num ranking de porcentagem da população com o ensino médio concluído, a Coréia do Sul passou de um distante 272° lugar, na década de 1960, para o 12° lugar nos anos 1990, desbancando os Estados Unidos, que caíram de 1° para 13° posição. Graças a avanços como esse, Coréia do Sul vem crescendo 9% ao ano.
No coração da mudança está a valorização do professor. O salário inicial dos mestres coreanos está entre os mais altos do mundo, e a média supera em duas vezes o que se paga em países desenvolvidos. Isso faz com que os professores sejam selecionados entre os melhores formandos da universidade. No Brasil, a carreira atrai os menos preparados.
Outro exemplo recente é o da Espanha. Com grande número de imigrantes vindos da África e das ex-colônias ibero-americanas, o país conseguiu equilibrar os resultados acadêmicos obtidos por alunos de diferentes origens sociais, segundo o pesquisador espanhol Álvaro Marchesi, secretário-geral da Organização dos Estados Ibero-americanos - OEI. “A transformação educacional espanhola incorporou a valorização da diversidade”, explica ele.