Sem travar a língua

Em vigor a partir de quinta-feira, a reforma ortográfica vai demandar quatro anos de adequação. Mas se o português está ligado à sua profissão ou aos planos de carreira, atualize-se já

Da Redação - CB 28122008

Marcelo FerreiraCBD.A Press - 101208
Choque de gerações: o bacharel em direito Marcelo Cariello, de 22 anos, enfrentará a primeira reforma ortográfica e espera confusão. aos 94, O médico Ernesto silva vivenciará a terceira e aposta na facilidade

Zuleika de SouzaCBD.A Press
 
“A ideia de prestar um concurso público é frequentemente vista como a melhor maneira de alçar voos graças aos bons salários e à estabilidade.” Estranhou algo nessa frase? Pois bem. É assim que vamos escrever a partir de quinta-feira, 1º de janeiro. Mas nada de pânico. Não se trata de aposentar já a antiga gramática. O período de adequação à reforma ortográfica vai até dezembro de 2012. Até lá, as regras — novas e antigas — serão válidas em concursos, vestibulares e provas escolares. Mas como rege a lei do mercado, é bom não perder tempo: quanto antes o profissional se atualizar, melhor.

A dica vale ainda mais para quem depende diretamente da língua portuguesa para trabalhar — como professores, jornalistas, tradutores e revisores — ou para conseguir um emprego, principalmente os oferecidos por órgãos públicos. “As mudanças são sempre lógicas e vêm para facilitar as nossas vidas. Quem lê e escreve muito não terá dificuldades”, diz Ernesto Silva, pioneiro na construção de Brasília e autor do livro Como aprender a ortografia simplificada.

Marcelo Cariello, de 22 anos, até tem tentado adaptar-se à reforma. Candidato ao concurso da Advocacia-Geral da União, ele ainda não encontrou livros atualizados e recorre aos jornais e à internet para se manter informado. A tentativa de unificar a língua portuguesa, falada por mais de 240 milhões de pessoas, é vista com bons olhos pelo bacharel em direito. Mas o impressiona. “A gente é acostumado a escrever de uma forma e, de repente, tem que mudar o jeito de algumas palavras. Isso vai ser confuso no início”, aposta.

Aos 94 anos e testemunha de duas reformas — de 1943 e 1971 —, Ernesto Silva, que também é médico, não se incomoda com a possibilidade de encarar a terceira alteração. “Para quê colocar acento em tranqüilo? É preciso simplificar. Além disso, são poucas as mudanças. Quem praticar vai tirar de letra”, ressalta.

Intercâmbio
A reforma ortográfica vai afetar cerca de 3 mil palavras, o que equivale a 0,8% dos verbetes reconhecidos oficialmente no idioma brasileiro, segundo o Ministério da Educação. Entre as principais alterações, está a inclusão no alfabeto do k, w e y. Vale lembrar que as mudanças interferem apenas na grafia das palavras. Portanto, atingem em cheio as letras, acentos e sinais gráficos, como o hífen e o trema, mas não alteram em nada a pronúncia, a conjugação, a semântica e a didática da língua (veja detalhes no quadro ao lado).

A expectativa é de que a reforma favoreça e facilite o intercâmbio cultural entre os integrantes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), composta por Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Guiné Bissau. A facilidade ocorrerá principalmente no caso da publicação de livros, que não precisarão ser reeditados seguindo as particularidades de cada nação. Além disso, as alterações servirão não só para facilitar a tradução de documentos oficiais, como fortalecer o idioma em âmbito internacional.

No caso dos livros didáticos, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) estabeleceu que as editoras têm que se adaptar às novas regras até 2010. Isso porque os livros ficam em média três anos com os aluno. Assim, as obras compradas em 2009 vão valer até 2012, prazo final da transição ortográfica.

Segundo Sônia Schzartz, coordenadora-geral de programas do FNDE vinculados aos livros, a nova ortografia não vai aumentar os investimentos com material didático. “Vamos gastar R$ 727 milhões em 2009 com ensino fundamental e R$ 75 milhões com ensino médio, todos são gastos normais. Nós vamos comprar dicionários, como compramos todos os anos.”

Já para a capacitação de professores, o Ministério da Educação prepara uma cartilha orientadora, que será lançada no próximo ano. A Secretaria de Educação do Distrito Federal diz que, no momento, elabora um plano de qualificação do corpo docente. Por enquanto, está definido que circulará nas regionais de ensino uma alerta sobre a reforma ortográfica.

* Colaborou Priscila Mendes


O que muda?

1. Alfabeto: entram k, w e y.
2. O trema desaparece: frequente, tranquilo,
lingueta, linguiça.
3. O chapéu do ditongo ôo se despede: voo,
abençoo, perdoo.
4. O circunflexo do hiato êem diz adeus: veem, creem, deem, releem.
5. O agudo do u tônico dos verbos apaziguar, averiguar, argüir S.A some: apazigue, averigue, arguem.
6. O i e o u antecedidos de ditongo perdem o grampo: feiura, baiuca.
7. Os ditongos abertos éi, ói viram ei, oi: ideia, joia
(O acento permanece nas oxítonas e monossílabos: papéis, herói, dói)
8. Os acentos diferenciais se vão: pelo, para, polo, pera (mantém-se o chapéu de pôde e do verbo pôr)

9. EXIGEM O HÍFEN SEMPRE
9.1 Os prefixos seguidos de h: anti-higiênico,
super-homem, micro-história, extra-humano,
co-herdeiro, proto-história, sobre-humano,
ultra-heróico. Exceção: subumano.
9.2 Além, aquém, ex, pós, pré, pró, recém, sem, vice:
além-mar, aquém-muros, ex-presidente,
pós-graduação, pré-primário, pró-reitor,
recém-chegado, sem-terra, vice-presidente.
9.3 Os prefixos terminados em vogal seguidos por palavra começada pela mesma vogal: anti-inflamatório, auto-observação, contra-ataque, micro-ondas, semi-internato. Exceção: co- se junta ao segundo elemento mesmo quando ele acaba com o: coordenar, coobrigação.
9.4 O prefixo terminado por consoante seguido de palavra começada pela mesma consoante: hiper-rico, inter-racial, sub-bloco, super-resistemte, super-romântico. Sub usa mais um hífen com palavra iniciada por r: sub-região, sub-raça.
9.5 Os sufixos de origem tupi-guarani açu, guaçu e mirim: amoré-guaçu, anajá-mirim, capim-açu.

10. REJEITAM O HÍFEN:
10.1 Os prefixos terminados em vogal diferente da vogal com que se inicia o segundo elemento: aeroespacial, agroindústria, antieducação, autoescola, coedição, coautor, infraestrutura, plurianual, semiopaco.
10.2 Nos prefixos terminados em vogal que se juntam a palavras começadas por r ou s duplicam-se o r e o s para manter a pronúncia: antirrábico, antirrugas, antissocial, biorritmo, contrassenso, infrassom, microssistema, minissaia, multisseculas, neossocialismo, semirroubusto, ultrarrigoroso, ultrassom.


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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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