Tiago Faria (Correio Braziliense0 Caderno  Diversão & Arte


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O publicitário Gustavo Cochlar venceu concurso de vídeos para telefone: arte em construção
O telefone celular de Gustavo Cochlar, 29 anos, é uma caixinha de surpresas. Às vezes, funciona, às vezes o deixa na mão. Há momentos em que, inexplicavelmente, o publicitário só consegue bater papo via mensagens de texto. Pode parecer curioso, portanto, que ele tenha recebido o prêmio de público num concurso de vídeos para celular, em 2008. “O engraçado é que nunca tive um aparelho que rodasse vídeo. O meu é bem capenga”, afirma. Problemas técnicos à parte, Gustavo conquistou os internautas por outros motivos: o valor artístico. O curta Frestinha, produzido para um seminário de cinema do Instituto de Artes da UnB, brinca com a percepção do público — toda a ação é observada por uma fresta estreita.

Para o espectador menos acostumado a novidades tecnológicas, a proposta pode provocar desconforto. A ideia de assistir a vídeos ou ler livros na telinha luminosa do telefone ainda provoca dores de cabeça em muita gente. Mas, aceleradamente, o celular começa a se transformar num rico espaço para a arte. Apesar da pouca intimidade com o aparelho, Gustavo — que estuda no Instituto de Arte e também atua como DJ — trata essa tendência com naturalidade. “Como na pintura, você tem um quadro e precisa apresentar imagens de acordo com a capacidade de comunicação. Se a tela é pequena, buscamos uma composição pequena. É um caminho novo”, observa. Envolvido em pesquisas sobre artes digitais, ele tem projeto de um filme criado com celulares.

Em países como Japão e Estados Unidos, o mercado já acelera. No Brasil, as empresas de telefonia têm pressa para investigar um nicho e uma linguagem ainda em construção. O festival Vivo Arte.mov, pioneiro no ramo, é um exemplo do interesse provocado pelo ramo. Há quatro anos, desenvolve oficinas e mostras competitivas para refletir sobre as chamadas mídias móveis. Cochlar foi o único concorrente de Brasília a se destacar na mostra, que este ano será realizada entre os dias 12 e 15 de novembro, em Minas Gerais. “Pela primeira vez, estamos diante de uma mídia que não tem horizonte. O celular não tem esquerda e direita, em cima e embaixo. A tela pode ser girada, por exemplo. Como aproveitar características como essas para a produção audiovisual?”, observa o curador e organizador Rodrigo Minelli.

O universo parece oferecer infinitas possibilidades. Um documentário produzido com microcâmeras de celular, por exemplo, pode flagrar depoimentos mais espontâneos e intimistas que os registrados por grandes lentes. Um curta-metragem transmitido via MMS (sistema de transmissão de mensagens multimídia que começa a ser desenvolvido nos Estados Unidos) pode ser visto por uma multidão. Até agora, no entanto, muitas dessas invenções ainda estão em fase de testes. “Seria muito interessante se meu filme pudesse ser visto na fila do INSS, enquanto o espectador espera uma consulta médica. Ele coloca um fonezinho e vê”, afirma a cineasta Anna Karina de Carvalho, que finaliza o curta Angélica acorrentada.

Por três anos, Anna Karina desenvolveu oficinas do Vivo Arte.mov em Brasília. Na cidade, a produção de audiovisual para celulares ainda engatinha. “Mas essa é uma realidade do Brasil inteiro. Alguns podem até ter o dom e aprender muito rapidamente. O formato valoriza filmes de entretenimento, simples, com uma trama direta. Ao mesmo tempo, alguns filmes mais caros e grandiosos vão perder um pouco”, pondera. Para Rodrigo, o formato exige um artista diferenciado, novo. “Quem se sai bem nem sempre tem experiência em outras áreas, como cinema e publicidade. Os jovens são os que melhor se apropriam porque não estão viciados em determinadas formas de pensamento. Isso traz um frescor muito grande. O interessante é poder inventar uma linguagem”, nota.

» Torpedo de poesia

Um vídeo de poucos minutos via celular pode não irritar os olhos. Mas o que dizer de um romance criado exclusivamente para telefones móveis(1)? No Japão, a tecnologia virou moda. No Brasil, há concursos que exploram essa possibilidade de criação. Pelo segundo ano consecutivo, a Festa Literária de Porto de Galinhas (Fliporto) abre inscrições para contos ou poemas de até 160 caracteres. Ano passado, 320 pessoas concorreram ao prêmio de R$ 3 mil.

“É totalmente possível encontrar textos interessantes. São escritores jovens, não temos pretensão de atrair veteranos. Queremos motivar a literatura. Queremos que ela esteja em todos os lugares”, afirma Cláudia Cordeiro, coordenadora da Fliporto Digital. O time de jurados leva em conta o uso de recursos literários e o bom uso da língua portuguesa. “Os erros ainda são frequentes. Acaba que, em primeiro plano, levamos em conta a correção do texto”, afirma.

Em 2008, o escritor pernambucano Marcelino Freire foi convidado para organizar um concurso de microcontos desenvolvido pelo Sesi em São Paulo. Diariamente, no período de um mês, 2 mil pessoas cadastradas recebiam os textos via torpedo de celular. “É um texto conciso e que, por isso, se adequa bem às novas mídias”, comenta.

 

» Instantâneos poéticos

Vencedores da primeira edição do Prêmio Nacional de Literatura no Celular

Reencontrei o vento.
Renasceu do sol, límpido, sereno.
Passou pelo meu corpo e pensamento.
Varreu meu coração com amor.
Veio o arco-íris, levou embora a dor.
Malu Lima (Recife)
 
A poesia
Não é verdade a poesia
porque é bela.
A poesia é bela
porque é verdade.
Juareiz Correya (Recife)
 
Meu tempo valsa Chopin em ré bemol maior.
Sessenta aniversários e o presente da dor.
Mas um sol verde acende a alma: tempo de dançar com as estrelas.
Maria Nazaré de Carvalho Laroca (Juiz de Fora – MG)