Proposta Pedagógica da SEEDF para o BIA ( Bloco Inicial de Alfabetização)  - Fragmento

A SEEDF entende por alfabetização, nas três Etapas do BIA, o ensino da língua escrita como forma de desenvolver nos alunos as competências e as habilidades pertinentes à codificação e à decodificação referentes aos conteúdos gerais da gramática textual: coesão, coerência, unidade temática, clareza, concordância, etc., cuja função é determinada pelo contexto do texto, ou seja, pela inserção desses elementos no próprio texto; como também as habilidades e as competências referentes aos conteúdos básicos do código da escrita alfabética (letras, sílabas, famílias silábicas, direção da escrita, segmentação das palavras, sentenças e textos, etc.).

Portanto, entende-se por alfabetização, no BIA, a sistematização dos recursos do código e seus princípios organizadores (codificação e decodificação), pois, após a consolidação da alfabetização, essas competências e conteúdos estarão presentes na prática de produção de textos orais e escritos.

A sistematização dos recursos do código e seus princípios organizadores devem-se dar por meio de um trabalho que contemple as “Quatro Práticas do Ensino da Língua”, proposta que conforme (KLEIN 2002, p. 34- 38) se organiza na forma de desenvolvimento de unidades de trabalho pedagógico para o desenvolvimento do processo de alfabetização, em que os alunos atinjam a condição de letramento, quais sejam:

a) Prática da leitura e interpretação – a quantidade das práticas de leitura e a qualidade dos textos oferecidos aos alunos devem observar duas situações diferentes na operacionalização dessas práticas: leituras de pura fruição, sem a intervenção do professor, como “cantinho da leitura”, com variadas opções de texto (livros de histórias; poesias; crônicas; livros informativos; jornais; revistas e histórias em quadrinhos), promovendo um clima favorável à leitura e o incentivo aos alunos para explorarem esses textos sem fazer qualquer tipo de cobrança sobre a leitura realizada, para que se possa criar um clima de intimidade com o material escrito e despertar o gosto pela leitura; leituras com intervenção pedagógica, as quais constituem estratégia para o ensino e a aprendizagem. Neste caso, a escolha de textos variados de boa qualidade, no conteúdo e na forma, se dá em função do conteúdo[1] que o professor deseja sistematizar, seja leitura oral, seja interpretação ou, ainda, como referência para o estudo dos conteúdos ou às relações textuais.

 No primeiro momento do processo de alfabetização, a leitura será feita pelo professor, para os alunos. À medida que as crianças forem dominando a decodificação, o professor transferirá aos alunos, gradativamente, essa atividade, até que eles tenham condições de realizá-la com autonomia. Nessas atividades de leitura, o professor deve trabalhar com aspectos da decodificação, interpretação e análise lingüística dos textos. Também é preciso que as atividades de interpretação contemplem o exercício crítico dos conteúdos ideológicos que porventura estejam presentes no texto.

 

b) Prática da produção textual (oral e escrito) – a produção de texto pode-se dar a partir da simples denominação de elementos de desenhos das crianças e por relatos, o que supõe a escrita de textos narrativos e narrativo-descritivos. Aos poucos, outros textos poderão ser incluídos (normativos, de correspondências, etc.) até chegar ao texto dissertativo, evidentemente, ainda que bem simplificado. A produção pode se dar no coletivo ou individualmente.

No primeiro momento da alfabetização, quando os alunos ainda não dominam a escrita, o texto deve ser produzido oralmente pelos alunos e o professor será o seu escriba. Progressivamente o professor deve ir transferindo a atividade de escrever para os alunos, à medida que eles forem evoluindo em suas hipóteses de escrita.

      Que letra usar? A letra caixa-alta é ideal para as primeiras tentativas de escrita. Seu traçado de linhas retas facilita o trabalho da criança na escrita, por ser mais fácil discriminá-lo. Todavia, sugere-se que, na leitura, o professor trabalhe com todos os tipos de letra, mas que, no ato de escrita do aluno, inicialmente seja utilizada a letra caixa-alta, até mesmo porque “todas as situações reais de necessidade de escrita com que nos defrontamos hoje em dia (preencher cheques, escrever bilhetes, fazer listas de compras, redigir pequenas notas, registrar endereços, etc.) aceitam muito bem a letra caixa-alta” (KLEIN, 1999).

Assim sendo, não há necessidade de impor às crianças da primeira Etapa do BIA um esforço artificial e descabido para as suas práticas de escrita. Contudo, é preciso que o aluno aprenda a ler todos os tipos de letra (inclusive os tipos fantasia), pois estão presentes até mesmo no teclado das multimídias.

a) Prática da análise lingüística – a análise lingüística constitui-se em atividade paralela às atividades de leitura e produção textual. Nas atividades de leitura, ela pode ser vivenciada por meio das observações, perguntas dirigidas e inversões que o professor faz sobre um ou outro aspecto da organização do texto. Ex.: o professor altera, pela entonação de voz, a pontuação do texto e indaga aos alunos se a idéia do texto permaneceu a mesma. Pode também omitir uma palavra ou inverter a ordem da mesma. É importante que, ao trabalhar com essas atividades, o professor vá apontando para os alunos que uma alteração na produção escrita pode produzir uma alteração de sentido dela.

No caso de produção de texto pelo aluno, o professor pode combinar que os textos produzidos por eles serão objetos de discussão e de reescrita em sala. Assim, cabe ao professor fazer as escolhas alternadas, ou seja, ora o texto de um, ora o texto de outro, para que as crianças discutam a respeito da idéia que o autor quis expressar e a melhor maneira de fazê-lo. Pode pedir ainda que o grupo apresente solução para a correção de frases. Caso não seja resolvida a questão, o próprio professor efetua a correção tendo o cuidado de explicar, detalhadamente, todos os aspectos que foram alterados na nova construção da frase, tais como: ortografia, concordância, regência, ordem das palavras, coesão, etc. Esse trabalho de reescrita exige que o professor tome alguns cuidados como:

a.       Reescrever o texto da criança na íntegra.

b.      Processar a reescrita do texto em sala de aula, com a presença do autor, comentando as razões de cada alteração.

c.       Escolher um ou dois problemas mais relevantes para que a explicação deles seja feita de forma mais detalhada.

d.      Trabalhar com atividades que venham a sistematizar as explicações dadas para os problemas mais relevantes.

e.       Pautar a escolha do texto para a reescrita pela presença reiterada de problemas que ainda não foram superados pela maioria dos alunos.

f.  Fazer a escolha do texto a ser analisado com muito cuidado e tato para não interferir negativamente na auto-estima do aluno. Por isso, os textos de todos os alunos devem ser contemplados nessa análise, de modo que esse tipo de correção se configure como uma atividade normal, cotidiana e da qual todos participam.

g.       corrigir os textos assumindo um duplo objetivo: primeiro, possibilitar ao professor confirmar e consolidar os conhecimentos já dominados e, segundo, identificar os “erros” e proceder aos esclarecimentos da forma correta da escrita. Por exemplo: quando uma criança escreve a palavra “cazaco”, ela está demonstrando que conhece o valor fonético da letra z, mas que não tem domínio da grafia de duas letras representando o mesmo som, em posição fixa, ou seja, no mesmo lugar e não em lugares diferentes como é o caso das letras s e z, que são usadas, ora uma, ora outra, para representar o som de [z] entre duas vogais. É o caso de casaco, reza. Aqui cabe ao professor, em primeiro lugar, confirmar o conhecimento da criança sobre esse valor fonético, explicando-lhe que, na nossa língua, esse fonema pode ser representado por três letras: z, s e x. No entanto, toda vez que a palavra tem o mesmo som em posição fixa (no mesmo lugar), apenas uma dessas alternativas é a correta e, no exemplo, escreve-se “casaco” com s. A compreensão do erro da criança pelo professor alfabetizador é de vital importância para o avanço do processo de aprendizagem, uma vez que por trás desse erro há uma lógica que o norteou. Assim, quando uma criança escreve batu, quando deveria escrever bateu, ela certamente está confundindo o nome da letra t com o seu valor fonético [t], por isso, todo “erro” da criança delega para o professor a responsabilidade de dar uma explicação clara e compreensível, capaz de levá-la entender por que o seu raciocínio está equivocado.

b) Prática da produção de atividades para a sistematização do código - o domínio do código não pode ser relegado ao segundo plano. Não se pode mais ignorar a importância de sua sistematização, quanto mais proibir qualquer trabalho específico com as letras, com as sílabas e, sobretudo, com as famílias silábicas. Assim sendo, se no processo de alfabetização há a recomendação de que o professor não limite sua prática à memorização de famílias silábicas; também se reconhece que a alfabetização não se dá sem uma abordagem das letras e sílabas, que são, afinal, o conteúdo do sistema gráfico da língua, juntamente com os sinais diacríticos (na língua portuguesa representados por til, hífen, acentos circunflexo, agudo, grave, trema, apóstrofo, de acordo com certas regras ortográficas).

Embora se saiba que as práticas descritas (leitura, produção de textos e análise lingüística) contribuem para a aquisição do sistema gráfico, também é preciso que o professor desenvolva atividades específicas que auxiliem os alunos a compreenderem as relações entre letras e fonemas percebendo a existência de relações de correspondência biunívocas entre fonemas e letras; relações de uma letra representando diferentes sons, segundo a posição; relações de um som representado por diferentes letras e, por último, as relações de letras que representam fonemas idênticos em contexto idêntico.

Para tanto, propõe-se que, partindo de uma palavra já identificada no texto trabalhado pelas crianças, o professor desenvolva atividades variadas de comparação gráfico-fonética com outras palavras, como também atividades de identificação de outros vocábulos pela decomposição, composição e combinação, para que a criança domine os padrões silábicos.

A prática de comparação gráfico-fonética é de fundamental importância em função de a língua escrita ser pura convenção e conter inúmeras arbitrariedades na relação letrafonema. A criança só consegue dominar o processo de codificaçãodecodificação da escrita se:

·        Identificar o nome das letras em diversas posições.

·        Compreender que a referência para os sinais escritos são os fonemas.

·        Compreender a regularidade do padrão sonoro da articulação de uma consoante com as cinco vogais ( ba, be, bi, bo, bu, etc.).

·        Memorizar os valores fonéticos de todas as vogais e de todas as consoantes.

·        Aplicar, dedutivamente, a partir de um grupo de sílabas já consolidadas, a regularidade do padrão sonoro da articulação da consoante com as vogais.

·        Saber que a compreensão da relação oralidadeescrita deve seguir-se à memorização do valor fonético das letras (vogais e consoantes) e à de padrões silábicos. Dessa forma, o aluno não precisa memorizar todas as formas silábicas da língua porque, conhecendo o valor fonético das letras, poderá, por simples generalização, descobrir outras formas, sem que necessite seguir uma ordenação seqüencial das famílias silábicas, porquanto elas vão surgir dependendo das palavras interessantes que aparecerem no desenvolvimento das atividades com o texto.

Desse modo, fica evidente a importância tanto do trabalho com as sílabas, como do esforço de memorização. No entanto, cabe ao professor desenvolver atividades bem criativas que facilitem a memorização, para que as crianças não se desviem do esforço de aprender, uma vez que as atividades monótonas, repetitivas e mecânicas não concorrem para a aquisição da leitura e da escrita.

É por isso que para as atividades de decodificação e codificação sugerem-se o uso de jogos como bingo, jogo da memória, dominó e outros, bem como o uso do alfabeto móvel.

             Nesse sentido, é preciso que o professor alfabetizador entenda que o letramento, enfim, produz ações, o que possibilita a aproximação com o outro e, nesse processo, aprender a aprender e a reaprender novas relações e novos lugares. Logo, é nessas relações que a pessoa tem a possibilidade de entender a incompletude própria dos seres humanos, ou seja, é possível apreender do outro o que lhe falta e, por isso mesmo, pode igualmente se constituir em instrumento de completude do outro.

Por conseguinte, ao professor alfabetizador cabe compreender que letramento não é um método, tampouco uma didática ou um novo modelo pedagógico, mas, essencialmente, uma concepção que vai provocar atitudes e direcionamentos ao seu fazer pedagógico. É um comportamento que precisa de um mediador para ser processado ou operacionalizado. Trata-se, pois, de um paradigma que deve orientar as decisões do educador, para que o ensino de língua se dê de forma que o seu aluno venha a conhecê-la como linguagem, uso e prática. Assim sendo, segundo (Soares, 1998), trata-se de uma condição, portanto, de um modo de existência. Logo, cabe à escola e, em especial, ao professor alfabetizador propiciar essas condições, e, à sociedade, ampliar, enriquecer e estabelecer relações com espaços reais de letramento.

O direito de ler e escrever só serão garantidos ao aluno se os objetos culturais de leitura e de escrita forem também assegurados. Por isso, as classes de alfabetização nas Etapas do BIA devem utilizar objetos que contemplam variação de suportes de leitura e de escrita, como jornais e revistas, livros de literatura, livros de informações, periódicos diversos, agendas, bulas, receitas, catálogos, cartas, contas, músicas, bilhetes, além de vídeos, documentários, rádio, internet e televisão.

É preciso mobilizar os espaços de leitura e produção textual – bibliotecas e salas de leituras visto que, segundo (Leal, 2004), o desenvolvimento dos alunos encontra-se relacionado ao nível de letramento que a escola consegue assegurar. Construir conhecimento pressupõe ler e produzir textos escritos, em seus diferentes gêneros e tipos, não apenas verbal, mas também não verbal; não apenas na modalidade escrita, mas, sobretudo, na modalidade oral, considerando-se a sociedade de discursos em que esses alunos se encontram inseridos.

Ao colocar como objetivo central do BIA a aquisição dessas competências e habilidades, a SEEDF reconhece que a escrita, cada vez mais fortalecida em nossa sociedade, possibilita aos seus alunos, não só o resgate do conhecimento já construído e transmitido historicamente; como também, que essa aquisição se constitui em ferramenta essencial para o alcance de novas descobertas, permitindo, assim, a elaboração e a sistematização de novos conhecimentos. Negar ao aluno a condição de indivíduo letrado significaria torná-lo sujeito analfabeto.

Por isso, é necessário que o professor tenha conhecimento e formação adequados ao papel que exerce no BIA e busque nas teorias sobre leitura e escrita, subsídios para um referencial metodológico que oriente o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias ao letramento e às habilidades cognitivas envolvidas nesse processo.

Só assim o uso simultâneo de diferentes tipos de material de leitura e de diferentes técnicas e estratégias de análise e síntese podem promover fluência, ampliação do vocabulário, compreensão e articulação com a escrita, para que o professor possa redimensionar sua prática de leitura e escrita, a fim de levar o aluno a encontrar sentido, ou seja, razões para ler e escrever. Essa prática deve ser direcionada de tal forma que venha a ser incorporada ao cotidiano dos alunos para que possa extrapolar os limites da sala de aula.

A utilização dessas Quatro Práticas se justifica pelo fato de termos adotado como prática pedagógica uma concepção histórica, já mencionada no início desta seção.

Nessa perspectiva, o letramento exige que a escola testemunhe e viva, ela mesma, a condição de não só ensinar a ler, mas ler; não só a ensinar a escrever, mas escrever. O que significa o seu compromisso em sistematizar as competências lingüísticas, o código (decodificaçãocodificação); em buscar um novo modo de olhar e conduzir a educação que garanta que os professores do Bloco Inicial de Alfabetização: a) partam da concepção de alfabetização e letramento descrita neste capítulo; b) reconheçam e acompanhem as fases da psicogênese da língua escrita; c) promovam experiências significativas do aluno com a língua escrita; d) considerem que o processo de aprendizagem conceitual da língua escrita parta, inclusive, da aprendizagem de decodificação e que, portanto, a instrução de base fônica (relação de cada letra com seu som e de cada som com sua letra), apesar de se mostrar presente em nossa língua, não é uma relação determinante por admitir uma gama complexa de relações letrafonema.

Assim sendo, na língua portuguesa, de predomínio da escrita alfabética, não existe uma total correspondência entre fonemas e grafemas. O grafismo não se identifica imediatamente com o objeto que simboliza, mas com a palavra oral que o representa. A relação entre a palavra falada e a palavra grafada é estabelecida por uma convenção puramente arbitrária, de sorte que, se essa relação não for explicitada e sistematizada, dificilmente será apreendida pelas crianças.

 

 

 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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