No Brasil, 75% das pessoas na faixa etária dos 15 aos 64 anos não conseguem ler e escrever plenamente. O número inclui os analfabetos absolutos – sem qualquer habilidade de leitura e escrita – e os 68% considerados analfabetos funcionais. Estes identificam letras e palavras, mas não conseguem utilizá-las no cotidiano e têm dificuldades para compreender e interpretar textos. Apenas um em cada quatro brasileiros consegue ler, escrever e utilizar essas habilidades para continuar aprendendo. Os números estão na quinta edição do Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf), pesquisa lançada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela Ação Educativa no Dia Internacional da Alfabetização, 8 de setembro.
Nessa edição, o Inaf focaliza pela terceira vez as habilidades e práticas de leitura e escrita da população jovem e adulta (de 15 a 64 anos) no Brasil, possibilitando verificar sua evolução em relação a 2001 e 2003, quando o mesmo estudo foi realizado. Nos anos de 2002 e 2004, o foco do Inaf foram as habilidades matemáticas. Trata-se da única pesquisa de âmbito nacional que mede os níveis de alfabetização da população adulta brasileira – o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realiza levantamentos apenas sobre o analfabetismo absoluto. O objetivo do Inaf é estimular o debate público e apoiar a formulação de políticas de educação e cultura.
Encontro
Ao observar os resultados anuais do Inaf, observa-se um problema alarmante: a situação do alfabetismo funcional no Brasil está estagnada. Essa constatação levou à criação do encontro Leitura, Escrita e Matemática para Alfabetização (Lema), que ocorreu nos dias 8 e 9 de setembro, em São Paulo.
“Percebemos que a ‘febre’ continuava e não baixava, por isso tivemos a idéia de promover esse encontro, além de manter o Inaf”, diz Fabio Montenegro, secretário-executivo do Instituto Paulo Montenegro, organização sem fins lucrativos vinculada ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope).
Para o 1º Lema, um comitê de especialistas em letramento, alfabetização, matemática e educação de jovens e adultos selecionou diversos projetos para serem apresentados. O objetivo foi promover o intercâmbio de experiências e discutir atividades conjuntas para ampliar o alcance e a eficácia dos projetos, por meio de uma rede nacional de combate ao analfabetismo funcional. “Existem muitas iniciativas locais no país, mas falta uma ação nacional articulada. Estamos criando um fórum para definir a formação de uma rede nacional”, conta Fábio Montenegro.
Entre as práticas reunidas no Lema, Fábio destaca a organização de bibliotecas itinerantes, promovendo o acesso ao material de leitura. “Muitos lêem mal por causa da miséria, porque não podem pagar por materiais de leitura”, diz. Ele cita outros exemplos de práticas, como rodas de leitura, prêmios e campanhas que estimulam o hábito de leitura e escrita. “Uma das características do evento foi reunir uma grande diversidade de propostas sobre o assunto”.
Fábio espera que a repercussão do Lema, assim como as informações divulgadas pelo Inaf, chamem a atenção do governo e da sociedade para a necessidade de atacar o problema do analfabetismo funcional no Brasil.
Parceria com o governo
Desde 2003, com o programa Brasil Alfabetizado, o governo federal busca abolir o analfabetismo no Brasil, por meio de convênios com instituições alfabetizadoras de jovens e adultos. Apesar de ter como foco maior a erradicação do analfabetismo absoluto, o governo poderá aumentar o seu envolvimento com o tema do analfabetismo funcional, pois está sendo discutida uma nova proposta de parceria com o Inaf e a Unesco. A intenção é unir a tecnologia brasileira e o Programa de Monitoramento e Avaliação da Alfabetização (Lamp), método para medir a alfabetização desenvolvido pelo Instituto de Estatística da Unesco no Canadá. O Inaf-Lamp possibilitará a comparação da realidade brasileira com a de outros países. A idéia, revela Montenegro, é que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) assuma o Inaf-Lamp. Será um exemplo de iniciativa da sociedade civil que vai virar política pública, enfatiza.
Definição da Unesco
O conceito de analfabetismo funcional foi definido pela Unesco no fim da década de 70 e engloba aquelas pessoas que, embora saibam ler e escrever frases simples, não conseguem utilizar essas habilidades como ferramentas para lidar com as demandas do dia-a-dia, crescer profissionalmente, ter acesso à informação, transmitir seus conhecimentos e seguir aprendendo ao longo da vida.
“Uma das grandes bandeiras da Unesco sempre foi o combate ao analfabetismo. A Unesco também acredita que os programas de alfabetização realizados de cinco a dez meses são insuficientes para assegurar o aprendizado. É preciso a inserção no ensino regular para evitar um retrocesso. As quatro primeiras séries são essenciais”, diz Célio da Cunha, assessor especial do representante da Unesco no Brasil.
De acordo com os critérios da Unesco, quem tem até quatro anos de estudo é considerado analfabeto funcional. O Inaf, entretanto, questiona esse critério e leva em conta as demandas de leitura e escrita na sociedade. Em 2006, a Unesco pretende lançar um exame mundial para identificar analfabetos funcionais.
Qualidade e continuidade
Para combater o analfabetismo funcional, a sociedade civil considera tão importante a continuidade do aprendizado quanto a qualidade do ensino fundamental regular. O processo de alfabetização deve ter continuidade na rede pública de ensino, para que as habilidades de leitura e escrita sejam desenvolvidas. A coordenadora do programa Brasil Alfabetizado no Instituto Paulo Freire, Márcia Trezza, toca nesse ponto.
“Os projetos do Instituto Paulo Freire são voltados para a erradicação do analfabetismo absoluto. Mas nós também debatemos a necessidade de continuidade dos programas de alfabetização com o ensino fundamental nas redes públicas. Se os educandos não continuam praticando a leitura e a escrita, todo o trabalho de oito meses do projeto é perdido. Eles ainda não são tão autônomos assim”, afirma.
Márcia Trezza enfatiza também a importância do investimento na formação de professores que atuem na continuidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA). “Não adianta só transportar o modelo tradicional de educação realizado com adolescentes”. Atualmente, o programa coordenado por Márcia trabalha com a alfabetização dentro das penitenciárias do estado de São Paulo, com pescadores do Vale do Ribeira e comunidades das cidades de Tiradentes e Ferraz de Vasconcelos.
Mais atores
A crise da leitura e da escrita já está posta e existem cada vez mais atores envolvidos na Educação de Jovens e Adultos no país, na opinião da coordenadora de programas da Ação Educativa, Vera Masagão.
O debate sobre o analfabetismo funcional chega até mesmo às empresas, preocupadas com a produtividade dos seus funcionários. O Instituto Paulo Montenegro está lançando, em parceria com o Instituto Ethos, o livro O compromisso das empresas na erradicação do analfabetismo. A obra oferece orientações para que as empresas identifiquem o problema, que acarreta “um desperdício de bilhões de dólares por ano”, e possam enfrentá-lo.
“Precisamos oferecer mais oportunidades de aprendizado não-formais para aqueles que estão excluídos socialmente e investir mais em educação continuada. A inclusão da EJA na proposta do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) já é uma vitória”, diz Vera Masagão.
Diferentemente do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que destina recursos somente para o ensino fundamental, o Fundeb investirá também na educação infantil, no ensino médio e na educação de jovens e adultos. A tendência é que seja aprovado até o final do ano pelo governo federal. (Fonte: www.rits.org.br)