Artigo: Gustavo Ioschpe
Os quatro mitos da escola brasileira
Nilton FukudaAE
Escola pública no Brasil: o problema central não é a falta de dinheiro, mas, sim, o despreparo dos professores
VEJA TAMBÉM
Neste artigo
• O Brasil na lanterna
O Brasil tem se destacado há décadas na educação por uma razão incômoda: está entre os piores do mundo em sala de aula. Foi esse o tema de dois artigos do economista Gustavo Ioschpe, publicados por VEJA no ano passado. Especialista em economia da educação, com mestrado pela Universidade Yale, nos Estados Unidos, Ioschpe tornou-se referência no meio acadêmico ao abordar as questões do ensino com objetividade matemática. Reuniu suas conclusões no livro A Ignorância Custa um Mundo – O Valor da Educação no Desenvolvimento do Brasil, vencedor do Prêmio Jabuti em 2005. Um dos pilares de sua pesquisa causou controvérsia: Ioschpe afirma que os males da escola brasileira não têm relação com a escassez de dinheiro em sala de aula, tampouco com o baixo salário dos professores – idéias cristalizadas no Brasil –, mas sim se originam do despreparo dos docentes para o exercício da profissão. Neste artigo, Ioschpe se utiliza de comparações internacionais e estatísticas recentes para derrubar quatro dos mitos que, segundo ele, mais prejudicam a visão sobre os reais problemas da educação no país.
1º MITO
O professor brasileiro é mal remunerado
Ao aceitar essa idéia como verdade absoluta, as pessoas estão cometendo pelo menos dois enganos. O primeiro erro é comparar os professores brasileiros aos colegas estrangeiros. Se um país tem renda dez vezes maior que a brasileira, é de esperar que não só seus professores como as outras categorias ganhem um salário dez vezes maior – e é exatamente isso que ocorre. A comparação apropriada não é, portanto, entre a remuneração dos professores de vários países, mas sim desses salários em relação à média nacional. E nessa conta os docentes brasileiros aparecem numa situação mais favorável: enquanto eles recebem salário 56% superior à média nacional, nos países mais ricos a remuneração dos professores é 15% menor. Outra maneira de ver a questão é esclarecer se, lado a lado com outros profissionais brasileiros – de escolaridade e experiência equivalentes –, os professores levam a pior.
É aí que surge o segundo engano sobre a situação dos professores no Brasil. A comparação entre o salário dos docentes e o de outras categorias costuma desconsiderar um conjunto objetivo de variáveis, como jornada de trabalho, férias e aposentadoria (ao contrário da idéia que vigora no país, o professor tem jornada de trabalho mais leve do que o restante da população: 70% trabalham até quarenta horas semanais). São equívocos matemáticos que alimentam o mito de que o professor no Brasil é um injustiçado. Dos estudos mais sérios sobre o assunto, depreende-se justamente o contrário: eles mostram que o professor brasileiro está longe de ser discriminado no mercado de trabalho. Esses profissionais recebem, no Brasil, o esperado para pessoas com as suas qualificações e com a mesma rotina de trabalho. Se a classe docente fosse realmente injustiçada, o magistério não seria uma das carreiras mais populares do país, com mais de 2 milhões de profissionais – número que só faz crescer.
2º MITO
A educação só vai melhorar no dia em que os professores receberem salário mais alto
Essa é uma afirmação que não tem respaldo na experiência internacional – nem na brasileira. Ao avaliarem o efeito que o aumento no salário dos professores havia causado no desempenho dos estudantes, centenas de pesquisas chegaram a um consenso: elevar a remuneração não fez melhorar os resultados na sala de aula. Da própria experiência brasileira, é possível extrair conclusão semelhante. Basta analisar o que ocorreu depois da melhora no salário dos professores, proporcionada pelo antigo Fundef (o fundo para a educação que foi substituído pelo atual Fundeb), desde 1997. Nesse caso, enquanto a remuneração dos docentes melhorou, as notas dos alunos despencaram nos exames nacionais conduzidos pelo Ministério da Educação. Conclusão: ter mais dinheiro no bolso não é o fato determinante para transformar o professor num bom educador. O que mais prejudica a performance dos docentes no Brasil é um sistema que despreza talentos individuais e resultados acadêmicos e forma professores com uma mentalidade equivocada – enquanto apenas 9% consideram ser prioritário proporcionar conhecimentos básicos aos alunos, a maioria prefere formar cidadãos conscientes, de acordo com uma pesquisa da Unesco. É preciso, portanto, redimensionar a questão dos salários. O aumento dos professores pode trazer benefício a eles – mas não aos alunos. O mais urgente é fazer com que o professor chegue à sala de aula sabendo ensinar.
Cristiano Mariz
Alunos de escola particular: o fiasco nos exames internacionais mostra que eles também recebem mau ensino
3º MITO
O Brasil investe pouco dinheiro em educação
Esse é um mito que não resiste a uma rápida consulta aos dados oficiais. De acordo com um recente relatório que comparou o volume de investimento de trinta países em educação, o Brasil não fica atrás das nações mais ricas. Eis os números: enquanto o Estado brasileiro destina 3,4% do PIB às escolas básicas, nos países da OCDE (organização formada por países da Europa e pelos Estados Unidos) esse gasto corresponde a 3,5% do PIB. O governo brasileiro também aparece como um investidor generoso no ensino superior: reserva às universidades 0,8% do PIB – a média da OCDE é de 1% do PIB (e olhe que no Brasil apenas 20% dos jovens estão na universidade, enquanto nos países mais desenvolvidos a média é de 50% de universitários). Conclusão: o Brasil gasta praticamente o mesmo que os países desenvolvidos – e obtém resultados muito piores.
Alguns especialistas consideram a comparação do Brasil com os países mais ricos inadequada e, por essa razão, continuam a bater na tecla da escassez de dinheiro. Eles argumentam que, ao contrário do que ocorre com os países da OCDE, o Brasil ainda precisa dar um enorme salto na educação, o que consumiria uma fatia bem maior de recursos. É a experiência internacional, mais uma vez, que os contradiz. O melhor exemplo vem da Coréia do Sul: entre 1970 e 1995, o governo coreano separou 3,5% do PIB para patrocinar uma revolução em sala de aula. A China também tem gasto pouco – apenas 2% do PIB ao ano – para alcançar resultados igualmente extraordinários. Pesquisas conduzidas em dezenas de países não cansam de demonstrar que o volume de investimento não tem relação com a qualidade em sala de aula. O problema da educação brasileira não é, portanto, a falta de dinheiro – mas sim o fato de o governo gastar mal o que tem.
Wang Jun-Young
Coréia do Sul: o governo promoveu uma revolução em sala de aula com orçamento moderado
4º MITO
A escola particular é excelente
Os resultados dos exames realizados por estudantes de escolas públicas e particulares autorizam apenas a concluir que a rede privada é um pouco melhor do que os colégios municipais e estaduais. Esses exames estão longe de indicar que a escola particular brasileira é um modelo de excelência acadêmica. O dado mais esclarecedor sobre o assunto veio de uma prova aplicada pela OCDE, que mediu o conhecimento dos estudantes de 41 países e colocou o Brasil nas últimas posições em todas as disciplinas avaliadas. O teste mostrou que não apenas os alunos de escolas públicas haviam contribuído para o fiasco brasileiro: o resultado dos estudantes 25% mais ricos do Brasil foi inferior ao dos 25% mais pobres dos países mais desenvolvidos. Nossas deficiências educacionais são, portanto, visíveis nos alunos que supostamente cursam as melhores escolas particulares. O mito de que a escola particular oferta ensino de alto nível também não resiste ao diagnóstico que toma como base o resultado dos estudantes nos exames do MEC: o conhecimento dos alunos nesses colégios está aquém do desejado – e a anos-luz da excelência, segundo o próprio MEC.
As pesquisas chamam atenção ainda para outro fato que depõe contra a escola particular: 90% de sua superioridade em relação à rede pública deve-se à condição socioeconômica de seus estudantes, que vivem num ambiente mais favorável ao aprendizado. Apenas 10% são atribuídos ao maior brilhantismo acadêmico da escola. As escolas particulares, afinal, sofrem do mesmo problema que os colégios públicos: seus professores passaram por escolas ruins e cursaram faculdades precárias. Infelizmente, eles estão igualmente desqualificados para dar uma boa aula. O Brasil só vai deixar a lanterna na educação quando conseguir fazer um diagnóstico correto – e se livrar desse e dos demais mitos que rondam as escolas do país.