A reforma da língua portuguesa

Comissão do MEC começa a discutir a implantação do acordo que introduz novas regras ortográficas a partir de 2008. Mudanças simplificam o idioma, mas lingüistas avisam: a adaptação será complicada

Paloma Oliveto
Da equipe do Correio
“Micro-ondas”, “enjoo”, “contrarregra”, “assembleia”. Grafias hoje consideradas erradas e que rendem pontos a menos nas provas de gramática serão incorporadas, oficialmente, ao português. Embora ainda não tenha sido introduzido na prática, entrou em vigor este ano o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, firmado em 1990 entre os oito países que falam o idioma. As mudanças, que visam unificar as regras da ortografia, deverão começar a valer, no Brasil, a partir do ano que vem. Hoje, a Comissão para Definição da Política de Ensino-Aprendizagem, Pesquisa e Promoção da Língua Portuguesa (Colip), da Secretaria de Educação Superior (SESU-MEC), vai se reunir para discutir a implantação do acordo.

Não se trata de uma reforma, como a de 1971, quando, entre outras alterações, deixou-se de escrever “êles”, “saüdar” e “govêrno”. Ao contrário do que algumas pessoas têm alardeado, as alterações não serão drásticas. O educador e escritor Gabriel Chalita estima que, no Brasil, apenas 2% dos 228 mil verbetes do dicionário sofrerão modificações. “Na verdade, é uma cosmética na língua. Uma minilipo para deixar o português um pouco mais magro”, define a lingüista e lexicóloga Enilde Faulstisch, professora de história da língua portuguesa da Universidade de Brasília (UnB).

Mesmo assim, ela reconhece, algumas novas regras deverão dar dor de cabeça aos que já estão mais do que acostumados a lidar com hífen, trema e acentos diferenciais. “O que vai dar mais trabalho é o hífen”, aposta. O acordo prevê a retirada do hífen de algumas palavras e a inclusão em outras. Por exemplo: microondas passa a ser dividido porque o prefixo (micro) termina com a mesma vogal com a qual se inicia o segundo elemento (ondas). Em Portugal, já se escreve dessa forma. Por outro lado, o hífen será eliminado em palavras com consoantes dobradas, como contra-regra, que vira contrarregra e anti-semita, que passa para antissemita.

Enilde estima que serão necessários 10 anos para que uma nova geração de alfabetizados tenha domínio sobre as novas regras. E acredita que a mudança na pronúncia de algumas palavras é uma questão de tempo. “As vogais idênticas, como na palavra enjôo, serão fundidas e as pessoas vão acabar falando enjo”, suspeita. No caso do trema, a professora avalia que a pronúncia do gui em palavras como lingüiça serão faladas com o som das palavras “guilherme” e “guilhotina”.

Obsolescência
A morte do trema é comemorada pelo educador e escritor Gabriel Chalita. “O trema é uma excrescência que vários escritores já haviam abolido. Uma rebeldia que Monteiro Lobato já praticava contra os gramáticos, no início do século 20”, aponta. “Grosso modo, o trema não passa de dois pingos em cima do u”, concorda Enilde Faulstisch.

Para o gramático e professor de português Ernani Pimentel, o acordo é um avanço para a modernização da língua, mas insuficiente para simplificar regras de difícil assimilação. “No capítulo da ortografia, tudo precisa ser reformulado. Não existem parâmetros coerentes, o estudante acaba tendo de decorar, o que está errado”, observa. “O importante seria pensar numa reforma abrangente em termos fonéticos, simplificando o alfabeto e eliminando algumas maluquices da língua.” Ele sugere a criação de um conselho composto de professores, integrantes da Academia Brasileira de Letras e representantes de universidades para estudar uma verdadeira reforma do idioma.

“Embora a gramática descritiva da língua portuguesa acompanhe bastante bem a dinâmica e a evolução da língua, nossa gramática normativa é lenta. A última reforma de vulto, na língua portuguesa, foi realizada em 1971. É muito tempo para uma língua jovem como a nossa, que tem menos de mil anos de existência e, ao mesmo tempo, é tão influenciada pelas novas tecnologias, pela globalização e pela célere mudança de hábitos”, concorda Chalita. “Começamos bem, simplificando o uso em alguns casos. Mas ainda há muito que simplificar”, defende.

Professor de português há 22 anos e autor de 15 livros sobre o tema, incluindo uma gramática, Felix Filemon de Moraes ressalta que os principais erros cometidos por alunos relaciona-se ao emprego das letras. “Acompanho muitos estudantes que prestam concursos e são reprovados nas redações por erros elementares. Deixam de passar por causa de um cedilha. Não culpo o falante. A língua portuguesa realmente é muito difícil”, reconhece.

Filemon mostra exemplos da complicada língua portuguesa ao citar o caso da grafia da letra x, que tem quatro sons distintos: cê (como em sintaxe), zê (como em exame), xis (como em enxame) e qc (como em fixo). O mesmo ocorre com o z, que também tem som de s. “Isso tudo confunde muito. A unificação da escrita deveria ocorrer de acordo com a pronúncia”, aponta.

Dificuldades
Apesar de Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe já terem ratificado as novas normas, o que, na teoria, possibilita a imediata adoção do acordo, Portugal, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor-Leste ainda não o fizeram. A grande resistência vem de Portugal, que não vê com bons olhos as mudanças, que atingirão 1,6% do vocabulário luso. “Com todo o respeito que devemos a Portugal e aos portugueses, a simplificação da língua é uma exigência da vida moderna. Além disso, somos 180 milhões de falantes, enquanto Portugal representa pouco mais de 5% desse volume”, argumenta Chalita.

Segundo a lingüista Enilde Faulstisch, os dois países batem cabeça em relação à padronização do idioma desde o século 19, 300 anos depois do aparecimento do português como idioma. “É uma questão de estrutura secular, que vai mexer com todo mundo. Mas ninguém é dono da língua”, lembra.
O trema é uma excrescência que vários escritores já haviam abolido. Uma rebeldia que Monteiro Lobato já praticava contra os gramáticos, no início do século 20

Gabriel Chalita, Educador e escritor


artigo
Ação entre amigos

Por Dad Squarisi

A história começou em 1990. Em dezembro, os então sete países lusófonos assinaram o acordo ortográfico. Impuseram uma condição para as alterações entrarem em vigor: a ratificação do total de signatários. O tempo passou. Em guerra civil, Angola e Moçambique não estavam nem aí pra tremas e acentos. Mas o Brasil tinha pressa.

Por quê? O dicionário Houaiss estava em gestação. Se saísse com as mudanças, mandaria o Aurélio pra lixeira. Os parceiros não tinham nada com a urgência. Deu-se um jeitinho. Em 1998, fizeram um remendozinho no texto. Em 2004, outro. Resultado: três países seriam suficientes para pôr a moda na rua. Brasília, Praia e São Tomé adotarão a novidade. Os demais ficam de fora.

Os defensores dos retoques alegaram causas nobres para a reforma. Segundo eles, o acerto promoveria milagres dignos de Cristo. Pra começo de conversa, traçaram quatro objetivos. Um: melhorar o intercâmbio cultural entre os países lusófonos. Dois: reduzir o custo da produção e tradução de livros. Três: facilitar a difusão bibliográfica e de novas tecnologias. O último: aproximar as nações de língua portuguesa.

Será que a expulsão do pobre trema e mudança de um acentinho aqui e ali têm poder de competir com Jesus? Nós chamaremos moça de rapariga, rapaz de gajo e menino de puto? Os portugueses chamarão comboio de trem? Nós passaremos a ler os autores africanos e eles a lerem os brasileiros? Será que os 230 milhões de lusófonos invadirão a cultura uns dos outros?

Não. Mas faremos fogueira de dicionários, gramáticas & cia. letrada. O MEC prepara licitação pra troca dos livros didáticos. Pais terão de substituir as obras das estantes pra garotada estudar. A farra tem preço. Quem pagará a conta? É por essas e outras que os portugueses ficaram de fora. Deixam como está pra ver como é que fica.

Editora de opinião e colunista do Correio Bbraziliense


 
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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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