Museus e instituições culturais se propõem a uma reformulação dos próprios conceitos e mostram a arte como ferramenta para a educação

Fonte: Diva Calles na CVL

Em 1995, a exposição A Porta do Inferno, do escultor francês Auguste Rodin, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, atraiu 185 mil visitantes durante os 38 dias de mostra. O diretor da casa na época, o artista plástico e curador Emanoel Araújo - hoje à frente do Museu Afro Brasil - não hesita em dar todo o crédito à grande estrela do show: Rodin. Ele é um caso à parte, afirma. Sempre suscitou polêmicas. Fosse pela Idade do Bronze [escultura de Rodin de 187576 que causou furor nos meios artísticos parisienses pela perfeição de suas formas; muitos acharam que o artista tinha usado um modelo vivo como molde], fosse pela história de amor dele com Camille [Claudel, também escultora e com quem teve um conturbado romance], pela história de ele ser um grande criador, de interpretar e rever a obra de Michelangelo. Para Araújo, A Porta do Inferno se abriu em um momento específico, quando a Pinacoteca era um espaço desconhecido, que coincidentemente acolheu as obras de um artista celebrado nos cinco continentes. Além, é claro, de ter havido uma coisa por trás: uma chamada na TV Globo, que tocou em todo mundo, lembra, referindo-se à atenção especial dada pela maior emissora do país ao evento. O resultado foi um sucesso absoluto. O fato é que a mostra se tornou um dos marcos no processo de estreitamento da relação do grande público com os museus e demais instituições culturais no Brasil. Depois daquilo, viu-se Michelangelo atrair as atenções no Museu de Arte de São Paulo (Masp) em 1997, Pablo Picasso lotar a Oca no Parque do Ibirapuera em 2004, e Leonardo da Vinci, também na Oca, repetir o sucesso em 2007, com peças que contemplavam não somente seu lado pintor, mas também o de inventor, cientista, arquiteto, engenheiro e anatomista. Segundo o historiador e crítico de arte João J. Spinelli, o que mudou da época em que os museus não estavam entre os programas preferidos das pessoas para a realidade de hoje - filas de horas prorrogando a temporada de algumas exposições - foi a maneira como esses locais passaram a se apresentar para o público. São muitos os recursos aos quais essas casas de cultura recorrem hoje para atrair o público. E acho até que o sucesso de uma exposição depende desses equipamentos, dessas ações, desses projetos, afirma Spinelli, fazendo menção a materiais de apoio, como vídeos explicativos, textos, monitoria treinada e ambientações lúdicas. Acho até que isso tem ampliado a própria ação da exposição.

Arte ao alcance de muitos

Na visão do historiador, existe uma importante diferença entre o público com certa erudição e a grande maioria dos visitantes, sobretudo, das chamadas megaexposições. Existe um público que conhece os artistas, as obras, entende bem os períodos. Agora, uma grande parte [das pessoas], na verdade, tem poucas informações. E se essas pessoas simplesmente olharem um quadro, acabam vendo potencialmente menos do que poderiam sentir, pensar, ver e refletir, afirma Spinelli, que foi responsável pela curadoria da exposição Coleção Sesc de Arte Brasileira - Obras Selecionadas, realizada pelo Sesc Interlagos no início de 2006 em comemoração aos 30 anos da unidade, também um sucesso de público, com mais de 120 mil visitantes. Segundo a professora do Departamento de Metodologia do Ensino da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul (UFSMRS), Marilda Oliveira de Oliveira, organizadora do livro Arte, Educação e Cultura (Editora UFSM, 2007), é preciso levar em conta o fato de a própria arte ter deixado de ser considerada algo inacessível de uns anos para cá. Antes [a arte] era vista como algo ininteligível, incompreensível, e, de uns tempos para cá, ela passou a transitar com maior freqüência em espaços públicos, analisa. Aqui no Brasil, podemos notar, por exemplo, uma aproximação, nos últimos dez anos, entre os museus e as escolas. Os institutos, os centros culturais, enfim, têm incorporado projetos pedagógicos como parte do projeto curatorial, superando, assim, a tradicional divisão entre as perspectivas curatoriais e educativas. A educadora afirma ainda que exposições especialmente voltadas para um público mais abrangente acabam ensinando as relações entre arte, história, comportamento e a vida das pessoas. Muitas vezes, tem-se um conceito muito vago sobre arte. Desconhece-se como e quando ela acontece, o porquê dos materiais, das linguagens e da alteração dos conceitos ao longo do tempo. Portanto, todos esses esforços são bem-vindos.

Casa pronta

Exposições em cartaz na cidade atualmente, ou mesmo a atividade permanente de alguns museus dão a oportunidade de os interessados comprovarem na prática o que os especialistas teorizam. O Museu Afro Brasil, localizado no Parque do Ibirapuera, Zona Sul da capital, com seu acervo de mais de mil obras, é um desses locais. Nós temos um grande número de visitantes que são as escolas, públicas e particulares, além de um público da periferia, que me interessa muito, conta Emanoel Araújo, diretor do museu. Não temos como chegar até eles, ou seja, nós precisamos ter um programa voltado para esse tipo de lazer, fazer com que todos possam vir até aqui. Outro dia veio um grupo de 60 pessoas de comunidades da periferia, e elas acharam o museu lindo. Segundo o diretor, essas casas de cultura devem criar uma programação atrativa e culturalmente relevante. O museu tem de estar em ordem, tem de haver uma infra-estrutura interna, com arte-educadores e monitores, ou seja, a casa tem de estar pronta.
O Instituto Tomie Ohtake, localizado em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo, também aposta no caráter educativo de suas realizações. Além da programação de cursos que o local oferece aos interessados, suas exposições quase sempre optam por apresentar panoramas de artistas e épocas. Assim foi com três mostras realizadas no ano passado, que buscaram expor os caminhos percorridos por diversos artistas desde os anos 50 até os 90: Pincelada, Pintura e Método - Projeções da Década de 50, 8090 Modernos, Pós-Modernos etc. e Arte como Questão - Anos 70. Em cada um dos eventos, além de ter acesso a um amplo quadro das artes no Brasil, aprendia-se um pouco da história do país. Segundo Glória Ferreira, curadora de Arte como Questão - Anos 70, uma das características mais marcantes da mostra organizada por ela foi a oportunidade que o visitante tinha de acompanhar o momento de afirmação da arte contemporânea no Brasil por meio das obras. O final dos anos 60 e início dos anos 70 é uma época na qual se elaboram conteúdos de reflexão teórica e histórica da produção contemporânea, explica. Segundo ela, o período de forte repressão política pelo qual o Brasil passava durante a produção artística dos anos 70 criou um solo fértil para a contestação aliar-se às expressões culturais. E, na arte, a investida na dimensão política se dá nos próprios termos da obra, resume. Agnaldo Farias, que assinou a curadoria de 8090 Modernos, Pós-Modernos etc., defende que acompanhar a produção dessas duas décadas é também mostrar o Brasil pós-anos de chumbo. No que se refere ao contexto histórico, o ímpeto daqueles anos pode ser parcialmente explicado como um desafogo da produção cultural ante a retração dos anos anteriores, afirma. A vertente sociológica viu-se insuflada por novas versões do ativismo político em arte, o desenvolvimento da tecnologia digital fomentou um amplo debate sobre suas possibilidades e a agenda multiculturalista, com sua crítica ao eurocentrismo, defendia a importância de formas alternativas, entre elas a produção periférica de países como o Brasil.

A vez de Tarsila

Em cartaz até 16 de março na Pinacoteca do Estado de São Paulo, a exposição Tarsila Viajante, com curadoria de Regina Teixeira e consultoria de Aracy Amaral, destaca um momento importante na compreensão do legado da pintora Tarsila do Amaral. A mostra reúne cerca de 40 pinturas e 110 desenhos que apresentam a influência das viagens que a artista realizou, de onde tirou muito do seu repertório visual. Além de acompanhar a formação de uma das maiores pintoras brasileiras, o público pode também aprender um pouco mais sobre o modernismo, movimento que redescobriu o Brasil, nos anos 20, e com o qual Tarsila mantinha íntima ligação. Às vezes, aprende-se mais do que sobre as obras expostas, declara João Spinelli. Segundo ele, para uma criança ou adolescente sem familiaridade com as artes, especialmente os moradores da periferia, a experiência começa no trajeto até o local da exposição, já que boa parte deles sai muito pouco do próprio bairro. E o contato com as mais variadas manifestações artísticas faz muita diferença na formação desses cidadãos. Então, quando a gente fala de Brasil é preciso pensar em Brasil mesmo, e não em uma coisa idealizada. O que nós não podemos é perder tempo com pessoas críticas que querem dividir ou subtrair. Nós estamos em um país no qual temos que pelo menos somar, e se possível multiplicar, conclui.

endereços

Instituto Tomie Ohtake
www.institutotomieohtake.org.br
r. Coropés, 88
Pinheiros | São Paulo SP
11 2245-1900

Memorial do Imigrante
www.memorialdoimigrante.sp.gov.br
Rua Visconde de Parnaíba, 1.316
Mooca | São Paulo
11 6693-0917

Museu Afro
www.museuafrobrasil.com.br
Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega
Parque do Ibirapuera, portão 10
São Paulo SP
11 5579-0593

Museu da Língua Portuguesa
www.estacaodaluz.org.br
Praça da Luz, snº
Centro | São Paulo
11 3326-0775

Pinacoteca do Estado de São Paulo
www.pinacoteca.org.br
Praça da Luz, 2
Jardim da Luz | São Paulo
11 3324-1000

Revista E. São Paulo: Sesc, mar. 2008, n. 130.

Categoria pai: Seção - Notícias

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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