UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE
Ministro da Cultura de Portugal diz que acordo ortográfico vai unir os países sem enquadrar a literatura
(Reportagem de Chico Otávio, no caderno Prosa & Verso do jornal O GLOBO de 15 de março de 2008)
Quando abrirem o Diário da República, em junho, os portugueses já deverão encontrar palavras como acto e direcção grifadas sem a consoante muda c. Esta é uma das mudanças que o ministro da Cultura de Portugal, José Pinto Ribeiro, espera ver introduzidas no país, inicialmente em textos oficiais como o Diário, tão logo o acordo ortográficoda língua portuguesa entre em vigor. Em entrevista exclusiva concedida ao Prosa & Verso do domingo passado, durante sua visita ao Rio para as comemorações dos 200 anos da chegada da família real portuguesa ao Brasil, ele disse que os seis anos previstos para a transição da língua em Portugal não impedirão que o país comece o processo assim que o acordo seja promulgado pelo presidente Cavaco e Silva, o que pode acontecer nos próximos três meses.
Portugal levou 18 anos, entre a assinatura do acordo e sua ratificação pelo Conselho de Ministros na semana passada, para dar o primeiro passo no sentido de implementá-lo. Teoricamente, o acordo está em vigor desde o início de 2007, com a assinatura de três dos oito países signatários: Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Na prática, porém, ele não existem sem a entrada de Portugal. Embora as próximas etapas - aprovação pelo parlamento português e sanção presidencial - andem mais rápido, isso não significa dizer que as resistências às mudanças foram debeladas. Um dos focos preocupa especialmente o ministro. Ele garante que a reforma não pretende enquadrar a literatura:
- O escritor tem com a palavra uma relação de gosto, cor, densidade e peso. Alterar a grafia pode mudar essa relação. Por isso, ninguém fará qualquer tipo de censura ou crítica à escrita que cada um quiser usar. Se o escritor criar uma nova escrita, quem sabe não faremos novo acordo no futuro?
O ministro assegura que as três simplificações da língua feitas até agora (1911, 1931, 1945-46) foram introduzidas sem que os escritores deixassem de ser livres para escrever. Pinto Ribeiro lembra que, apesar de defender a língua como fator de identidade (minha pátria é minha língua), o português Fernando Pessoa sempre disse que um grande escritor deve ter seu próprio vocabulário:
- Guimarães Rosa era assim e nem por isso deixei de entendê-lo.
- Oficialmente, prevê Pinto Ribeiro, o processo será concluído antes da reunião da Comunidade de Países de Língua Portuguesa em junho, em Portugal. Mas isso não significa que todos saibam e passem a escrever de acordo com as novas normas no dia seguinte. Para que a alteração ocorra sem rupturas traumáticas, o governo português deverá concluir o processo todo em seis anos.
- Antes de qualquer mudança prática, é preciso formar professores e alterar livros. As sociedades brasileira, portuguesa e outras vão demorar um tempo para fazer as adaptações - diz.
Advogado da área financeira que assumiu o cargo há menos de três meses, Pinto Ribeiro, de 61 anos, é um empolgado defensor do acordo. Para ele, quanto mais profunda é a relação de um povo com a palavra, mais profunda é a sua identidade. O ministro acredita que, se os oito países que formam a comunidade tiverem uma língua portuguesa comum, poderão se globalizar sem medo de perder essa identidade.
- Quem não tem, dissolve-se. No mundo, há 230 milhões que nasceram falando português. Mas nada garante que todos cresçam e continuem falando e escrevendo em português - alerta.
MINISTRO QUER LEVAR ENSINO ÀS DIÁSPORAS
Aprofundar o ensino de português em todas as diásporas é uma das possibilidades que Pinto Ribeiro pretende explorar no novo acordo. Ele quer o apoio do ministro da Cultura brasileiro, Gilberto Gil, ao projeto de levar o ensino do português às grandes concentrações de imigrantes angolanos, moçambicanos, portugueses e brasileiros espalhadas pelo planeta. Na África do Sul, garante, vivem certa de 400 mil portugueses.
Para o ministro, os governos precisam fazer um levantamento da relevância econônimca da unificação da língua portuguesa.
- Isso é mensurável. Esta idéia permite dizer que, na Inglaterra, a indústria culturar responde por 7% do PIB. Mas só representa 1,4% do PIB português - calcula.
Enquanto isso, disse, o futebol representa apenas 1% do PIB português, mas tem programas específicos na mídia, revistas especializadas e outras atenções.
ACORDO PRECISA EMPOLGAR OS AFRICANOS
Filólogo diz que países como Moçambique precisam se convencer de que unificação trará resultado econômico
Professor de Letras da UERJ, o filólogo José Pereira da Silva concorda com a idéia defendida pelo ministro da Cultura de Portugal, José Pinto Ribeiro, de que a uniformidade ortográfica, além de poderosa arma para a difusão da língua, ajuda as nações a se protegerem dos efeitos da globaliação. Mas para ele, países como Moçambique, onde o português é fraco frente aos dialetos, só aplicarão o acordo se perceberem que a língua dos ex-colonizadores representa retorno econômico e político.
Enquanto isso não acontecer, as tentativas de unificação ficarão restritas às fronteiras do Brasil e Portugal, alerta o professor. Ele lembra que, há dois anos, o governo brasileiro mandou, a titulo de doação, uma carga de livros a comunidades pobres de países africanos de língua portuguesa.
- Mas, chegando lá, não puderam ser usados nas escolas. Os governos acharam que iriam criar confusão para os alunos e preferiram mandá-los para o depósito - conta Pereira da Silva.
MINISTRO DIZ QUE PORTUGUESES LÊEM POUCO
O efeito do acordo no mercado de livros é um dos pontos mais controversos da unificação. O ministro Pinto Ribeiro afiança que as editoras e distribuidoras são favoráveis, uma vez que a unificação abriria caminho para parcerias internacionais num país que ainda lê muito pouco: