CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLINGÜÍSTICA INTERACIONAL PARA O PROCESSO DE LETRAMENTO CIENTÍFICO (CIÊNCIAS NATURAIS) E O PROCESSO DE ALFABETIZAR LETRANDO
A ação pedagógica em sala de aula é dinâmica, altamente dependente do contexto que se vai constituindo. É sempre uma produção conjunta entre professor e aluno, localmente constituída e administrada em tempo real.
Bortoni-Ricardo
O presente trabalho sistematiza os resultados de uma pesquisa, concluída em dezembro de 2007, que investigou o tema Estudo Etnográfico das Contribuições da Sociolingüística à Introdução ao Letramento Científico no Início da Escolarização. A pesquisa se comprometeu com a formação de professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental e foi desenvolvida em uma escola da rede municipal de ensino de Aparecida de Goiânia (GO), entre agosto de 2006 e setembro de
O registro e a descrição dos dados (PI) foram analisados a partir do método da triangulação cruzada. Erickson (1982) sugere que os registros em áudio e vídeo, convertidos em documentos pela transcrição da informação, sejam analisados por esse método para que evidenciem as asserções postuladas. A asserção principal dirigiu-se para a iniciação ao letramento científico e efetiva-se, de forma mais consistente, quando o professor fundamenta sua prática em pressupostos teóricos e epistemológicos da Sociolingüística Interacional.
A Figura 1 representa a triangulação proposta para a análise de todos os protocolos interacionais que serviram para confirmar ou refutar as subasserções da pesquisa. O objetivo dessa figura é mapear a dinâmica adotada pela triangulação. As hastes do triângulo sustentam as bases teórica e epistemológica da pesquisa: a Sociolingüística Interacional (SI), a teoria da aprendizagem de Vigotsky, a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) e a ações de Andaimagem, compreendidas como “ajudas” interativas propostas inicialmente por Bruner e posteriormente por Cazden. Portanto, essa tríade forneceu elementos para analise dos resultados da aprendizagem que configuraram como prática de letramento científico.
A pesquisa constitui um exercício minucioso, extensivo e intensivo da pesquisadora, investigando as contribuições teóricas à prática pedagógica que confirmassem as subasserções postuladas, e para elas todo o esforço se converteu. A fim de consolidá-las, a pesquisadora comparou as concordâncias ou discrepâncias ao conjunto de teorias que fundamentaram o trabalho.
A sala de aula foi tomada como o ambiente interacional que favoreceu o sucesso dessa prática. A etnografia, por sua natureza qualitativa e interpretativa, permitiu analisá-la como um ambiente de sociabilização entre seus atores, favorável à aquisição aprendizagem, fornecendo elementos para a construção dos protocolos interacionais.
As aulas representam um exercício incansável da professora-colaboradora em desenvolver um trabalho de andaimagem, configurado com a sobreposição da sua fala à dos alunos, auxiliando-os na construção do pensamento, do seu enunciado, do retorno significativo às perguntas e das intervenções dos alunos nas reformulações, na expansão do turno de fala, ajudando-os, interativamente, na reconceptualização e na ressignificação do conhecimento.
As Transformações da sala de sula a partir dos fundamentos da SI
O período de agosto a outubro de 2006 foi dedicado à pesquisa exploratória, à observação participante e às entrevistas. Alves-Mazzotti et al (2004) descrevem algumas habilidades que devem ser desenvolvidas pelo pesquisador nessa fase, como ser capaz de estabelecer uma relação de confiança com os sujeitos, ter sensibilidade para as pessoas, ser bom ouvinte e ter familiaridade com as questões investigadas.
Durante a fase inicial da investigação, a pesquisadora preocupou-se em desenvolver a habilidade da “escuta”, especialmente do que se passava em sala de aula, estreitando as relações de confiança entre os atores envolvidos na pesquisa. As entrevistas, as observações e os registros dirigiram os diálogos entre as professoras para o foco da investigação: a “sala de aula” e a possibilidade de transformação da prática pedagógica. Foram definidas três categorias para facilitar a interpretação e a análise do ambiente interacional de sala de aula favorável à aprendizagem: o ambiente de sala de aula, as estruturas de participação e as ações responsivas.
A Sala de Aula
A sala de aula, por ser um ambiente fundamental no processo de sociabilização e aprendizagem dos sujeitos-alunos, exige do pesquisador etnográfico um olhar atencioso para sua organização, que poderá facilitar ou não o desenvolvimento da ação educativa.
Frank (1999), ao aplicar alguns instrumentos de descrição do ambiente de sala de aula em pesquisas etnográficas feitas por seus alunos, apresenta, segundo Jones e Prescott (1978), cinco dimensões para a sala de aula como local de constituição de cultura e socialização: (i) ambiente não estruturadoestruturado, (ii) ambiente abertofechado, (iii) ambiente simplescomplexo, (iv) ambiente inclusivoexclusivo, (v) ambiente móvelestático.
Foi observado, na fase exploratória da pesquisa, um ambiente “desfavorável” da sala de aula para a introdução de uma prática pedagógica fundamentada na Sociolingüística Interacional. Utilizando-se a descrição de Frank (1999), a sala de aula, inicialmente, foi caracterizada como um ambiente estruturado, a professora fixa frente à sala e atividades restritas aos livros didáticos; ambiente fechado, centrado na rigidez dos métodos e programas; complexo, definido especialmente pelo ritmo de aprendizagem e no padrão de desempenho dos alunos; exclusivo, no sentido de exclusão dos alunos dos processos interacionais muitas vezes por seu nível de competência inicial mostrar-se insuficiente, diferente dos demais, e um ambiente estático, rígido e fixo, composto especialmente por carteiras alinhadas.
A microanálise do ambiente da sala de aula baseou-se nas características físicas, materiais e interacionais. Segundo o conceito de ambiente, fornecido por Salvador (1999), a sala de aula é um lugar no qual as pessoas podem interatuar frente a frente, facilmente. Os fatores da atividade, do papel e da relação interpessoal constituem os elementos ou componentes desse microcosmo.
Le Page (1980) compreende que o “outro” não é o interlocutor imediato na interação face a face. O “outro é o grupo de referência, marcado pela presença de um interlocutor, ou por outros elementos do contexto situacional.