Seminário Internacional da Língua Portuguesa e suas Literaturas- dezembro 2006
Tema 1 - Políticas de Formação: estratégias e mecanismos para aprimorar a formação de discentes e docentes
Prof.ª Stella Maris Bortoni-Ricardo (UnB)
www.stellabortoni.com.br
Espalhada pelos cinco continentes, a língua portuguesa, com seus cerca de 830 anos de idade[1] está entre as dez mais faladas do planeta e é a sexta língua materna mais falada do mundo. É língua oficial dos nossos oito países lusófonos.
O Brasil é o maior país de língua portuguesa em extensão territorial. Além disso, é também o país onde vive o maior número de falantes de português
( cerca de 182 milhões de habitantes em 2004).
O artigo 13 da atual Constituição Brasileira declarou a língua portuguesa como idioma oficial da República Federativa do Brasil.
Não obstante o uso extensivo da língua portuguesa no Brasil, com as peculiaridades que lhe empresta a norma brasileira já consolidada na expressão literária desde 1922, o país enfrenta um seriíssimo problema na familiarização de grande parte de seu contingente populacional com a modalidade escrita da língua.
O analfabetismo está na raiz de todos os grandes problemas sociais no Brasil. Constitui um mal radicado na sociedade brasileira, praticamente tão antigo quanto o próprio país, e infenso às diversas campanhas de alfabetização que surgem no bojo de políticas educacionais. Nesta breve intervenção vou refletir sobre o caráter perverso e persistente do analfabetismo brasileiro, situando-o numa matriz sócio-histórica e investigando suas causas na ecologia sociolingüística da comunidade de fala brasileira.
Dados fidedignos sobre essa questão estão agora disponíveis no Mapa do Analfabetismo no Brasil, que é uma iniciativa conjunta do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do Censo Escolar do MEC, do IBGE e do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas – United Nations Development Program – UNDP).
Segundo o referido mapa, o número de analfabetos varia bastante de região para região e é inversamente proporcional ao índice de Desenvolvimento Humano, IDH. Há de fato uma forte correlação negativa entre índices de analfabetismo e o IDH[2] de cada região.
No Nordeste, o número de analfabetos é muito maior que nas regiões Sul e Sudeste. Na cidade de Guaribas no Piauí, por exemplo, a taxa de analfabetos chega a 59%, enquanto em Niterói, no estado do Rio de Janeiro, o índice de analfabetismo é apenas de 3,6%. Quanto à renda familiar, calculada em salários mínimos, constata-se que o analfabetismo chega a ser 20 vezes maior nas famílias mais pobres. Nos domicílios com renda superior a dez salários mínimos, o índice é de apenas 1,4. Já naqueles cuja renda é inferior a um salário mínimo o índice alcança 29%.
Em relação a gênero, foi observado que as mulheres apresentam uma taxa de alfabetização superior à dos homens. Quanto à variável raça, constatou-se que existem três vezes mais brancos alfabetizados do que negros e pardos, o que confirma a importância do fator raça na desigualdade social no Brasil.
Com relação à dicotomia rural x urbano no país, há que se observar que, no meio rural brasileiro, a taxa de analfabetismo é três vezes superior à da população urbana. Não obstante entre os 100 municípios com o maior número de analfabetos estão 24 capitais. Na cidade de São Paulo, registram-se 383 mil e no Rio de Janeiro 199 mil. Essa concentração de analfabetos nas grandes cidades explica-se pelo alto contingente de migrantes, que deixam as áreas rurais e demandam os centros urbanos, na busca por melhores condições de vida, indo radicar-se na periferia de cidades de médio e grande porte. Ali reproduzem e preservam muitos traços próprios de sua cultura pré-migratória, inclusive as características de sua linguagem. São populações que venho descrevendo desde 1985 como rurbanas (BORTONI-RICARDO, 1985).
Observe-se ainda a mudança no conceito de analfabetismo. Em
O Quinto Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF), divulgado em setembro de 2005, pelo Instituto Paulo Montenegro - IPM - (Disponível em: < www.ipm.org.br>. Acesso em 26 de junho de 2006 e RIBEIRO, 2004), mostrou que só 26% dos brasileiros na faixa de
Essas percentagens são vergonhosamente altas principalmente se levarmos em consideração que em nosso país convivemos com dois fatos que podem ser considerados como favorecedores da disseminação do letramento em nossa sociedade. Tenho em mente, em primeiro lugar, o fato de mais de 99% da população brasileira ter como língua materna o português, que é também o veículo de instrução na escola no ensino fundamental (art. 210 §2º da Constituição Federal de 1988). Em