Em artigo exclusivo, o editor e consultor Marcelo Melo lamenta que empresários deixem de fora de autobiografias erros e episódios negativos que poderiam servir de aprendizado para o leitor
Por: Marcelo Melo* Cada vez mais empresários querem escrever sua biografia. Gostaria que meus netos soubessem como foi difícil construir esta empresa, dizem. É uma pena que, ao elaborarem os textos, eles costumem deixar de fora os erros cometidos e outros episódios negativos da sua trajetória. São relatos que servem de aprendizado para os leitores - o que poderia transformar esses livros biográficos em espécies de MBA compactos.
Logo num dos primeiros projetos de biografia em que me envolvi, tive a sorte de receber o maior dos aprendizados. Não escrevi aquele livro. Fui chamado para opinar e fazer alterações. Fiz várias. A maioria das pessoas que cercam esses empresários têm a tendência de falar apenas o que sabem ser da preferência delas. Já eu, que vinha de fora, podia falar, fazer perguntas, questionar histórias. Eu não podia ser antipático para não travar a comunicação, mas não precisava ser puxa-saco.
Depois de alguns meses, livro pronto e no mercado, fui chamado para um outro projeto na mesma família, agora de um filho daquele empresário. Elogiou-me, disse que o pai havia gostado muito do trabalho e me indicado. Aí foi minha vez de perguntar o que ele, filho, havia achado do livro. Silêncio. Depois, um pouco envergonhado, disse que aquele homem lá era o que o pai gostaria de ser, não o que era. Para mim, foi uma porrada!
Por uns dias, senti-me derrotado. Depois de muita reflexão, percebi que, nesses projetos, apesar de eu passar várias horas com o empresário, de falar com outras pessoas que o conhecem mais de perto, na maior parte dos casos, o roteiro é indicado pelo próprio biografado. Mas uma biografia não precisa apenas ser bem escrita, deve ser verdadeira.
Desde então, essa é uma das primeiras histórias que conto para os clientes. Mostro que o bonito da história já foi feito, é o que ele construiu. Tentar mascarar os fatos, transformar o biografado em um ser perfeito, esconder o que todos sabem, é um tiro que sai pela culatra. Numa biografia, a perfeição e a falsidade são dois conceitos diretamente proporcionais. Quanto mais perfeito parecer o personagem, mais evidente fica que a história está repleta de exageros, acobertamentos e distorções.
O melhor dos projetos em que trabalhei foi um em que o empresário reconheceu, no livro, que o sucesso dos negócios lhe custou a intimidade da família. Os dois filhos não apenas haviam se afastado da empresa, como rompido relações com o pai e entre si. O pai conseguiu admitir que conhecia muito pouco toda aquela gente que levava o seu sobrenome. A partir daquele dia, fui mais um psicanalista e consultor do que um editor e escritor. Trabalhamos de forma séria e dedicada. Poucas vezes, vi alguém numa posição como a dele ser tão aberto, direto e corajoso. E todas aquelas horas de conversa e escrita viraram apenas 50 páginas, numa edição manual e bem cuidada, dirigida especialmente para os dois filhos. Os netos, ainda pequenos, a receberiam apenas quando crescessem.
A recompensa maior do trabalho veio quando, passadas algumas semanas, o empresário me ligou e disse que havia voltado a falar com os filhos. A história verdadeira os havia aproximado. Ao lerem detalhes que desconheciam da vida do pai, os filhos passaram a encará-lo de outra forma. Um mínimo de carinho e respeito foi resgatado. A condição patrimonial que permitia a todos uma vida confortável deixou de ser considerada uma obrigação do pai e passou a ser encarada como um verdadeiro sacrifício. Um prêmio que ganharam devido ao esforço paterno. E você, que história vai contar?
*Marcelo Melo é editor e consultor de empresas em São Paulo Fonte: www.amanhã.com.br