Finalmente, uma língua negligenciada vai para o pedestal
Larry Rohter
em São Paulo
Mais pessoas falam português como língua materna do que francês, alemão, italiano ou japonês. Então talvez seja irritante para os 230 milhões de luso falantes que o resto do mundo freqüentemente considere sua língua menor e que seus romancistas, poetas e compositores passem despercebidos.
Um esforço está sendo feito aqui no maior país do mundo a falar português para corrigir essa situação. O Museu da Língua Portuguesa recentemente inaugurado em São Paulo, com apresentações multimídia e de tecnologia interativa, propõe que os luso-falantes e sua língua podem se beneficiar de um pouco de auto-afirmação e auto-propaganda.
Esperamos que este museu seja o primeiro passo para nos apresentar, exibir nossa cultura e sua importância para o mundo, disse Antonio Carlos Sartini, diretor do museu. Sempre faltou uma estratégia para promover a língua portuguesa, mas de agora em diante, as coisas podem tomar outro rumo.
O museu, que foi inaugurado em março, já se tornou o mais visitado no Brasil, atraindo crianças das escolas e acadêmicos, assim como turistas do Brasil e de países africanos de língua portuguesa.
Para manter a união e a harmonia lingüística, ele evita uma questão básica: se o domínio da língua por fim deve ser do país onde nasceu ou desta ex-colônia grande e barulhenta, onde o português é falado pelo maior número de pessoas.
George Bernard Shaw certa vez descreveu os EUA e o Reino Unido como dois países divididos por uma língua comum. O mesmo poderia ser dito sobre o Brasil, com seus 185 milhões de habitantes, e Portugal, com quase 11 milhões.
A questão não é o contraste entre o sotaque melífluo e musical do Brasil - português com açúcar, nas palavras do realista Eça de Queiroz, do século 19 - e o som cortado, quase gutural de Portugal. Há também diferenças marcadas de uso, que levaram a desentendimentos e alimentaram piadas.
Em Portugal, por exemplo, o termo que designa fila (de espera) é para os brasileiros uma gíria derrogatória para homossexual. A palavra portuguesa que designa terno de homem significa um fato ou informação no Brasil.
Alguns puristas em Portugal têm objeções para a versão colorida e cheia de gírias que é falada aqui e se espalha cada vez mais por meio das telenovelas brasileiras. Eles vêem tal informalidade como indigna da língua de Camões, o poeta do século 16 cujo épico de navegação Os Lusíadas é freqüentemente comparado às obras de Homero e Dante.
Certamente não é este meu entendimento, diz Maria Isabel Pires de Lima, ministra da cultura de Portugal, quando visitou o museu em agosto com Jose Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, o primeiro-ministro de seu país. A língua é um instrumento vivo, que está sempre mudando, então não vejo esse fenômeno como pejorativo. Pelo contrário, as telenovelas são um instrumento importante para criar maior consciência da língua e da cultura portuguesa.
Em 1996, Brasil e Portugal uniram-se a cinco nações africanas -Angola, Cabo Verde, Guiné-bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe- para fundar a Comunidade de Países de Língua Portuguesa. O português recentemente foi designado língua oficial da Organização de União Africana, como resultado dos esforços da comunidade. Os líderes acham que mais pode ser feito e esperam que o Brasil guie o caminho.
Um de nossos objetivos é disseminar o português, para que tenha maior visibilidade em organizações internacionais, disse Jose Tadeu Soares, vice-diretor geral do grupo, em entrevista telefônica da sede em Lisboa.
Mas além do Brasil e de Portugal, alguns outros países só são independentes há 25 ou 30 anos e não têm os recursos para se projetarem no palco mundial como o Brasil.
Apesar de o grupo ter conferido recentemente o status de observador à China, onde a língua ainda é oficial em Macau, o português está sumindo na China e em lugares como Goa, Damao e Diu, na Índia, três outras antigos postos coloniais. Mas quando o Timor Leste obteve sua independência da Indonésia em 2002 e entrou para a comunidade, recebeu expressões de simpatia e apoio dos países luso-falantes.
Para os timorenses, o português é uma forma de afirmar sua identidade em relação à Indonésia e, nesse sentido, mesmo à Austrália, diz Luiz Fernando Valente, diretor do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Universidade Brown, em entrevista telefônica de Providence, Rhode Island.
Mas, acrescentou, a aspiração de alguns luso-falantes de ver sua língua ganhar status oficial na ONU é provavelmente inalcançável. O português é uma língua global, falada em todos os continentes, disse ele, mas não é uma língua internacional, usada na diplomacia e nos negócios da mesma forma que o francês, e não sei se esse problema pode ser resolvido.
Sartini, o diretor do museu, disse que sua instituição planejava enviar exibições itinerantes ao exterior, para disseminar a língua e a cultura portuguesas. Idealmente, disse ele, tais mostras visitariam não sós países de língua portuguesa mas também outros como os EUA, que têm minorias que falam português.
O maior e mais antigo enclave português nos EUA fica perto de Providence, em Rhode Island, e Fall River e New Bedford, em Massachusetts. Há outros, como o Central Valley da Califórnia, em torno de Fresno, ou no sul da Flórida e Newark, N.J.
Em um festival literário aqui perto em agosto, porém, o autor anglo-paquistanes Tariq Ali disse, segundo a mídia local, que apenas três línguas sobreviverão com certeza até o final deste século: inglês, chinês e espanhol. Até José Saramago, romancista português e Prêmio Nobel que mora na Espanha, afligiu-se publicamente com a possibilidade do português ser superado pelo inglês e espanhol.
Os hispano-falantes algumas vezes brincam que o português é simplesmente um espanhol mal falado. Mas por causa do tamanho gigantesco do Brasil e de sua economia dinâmica, cidades como Buenos Aires e Santiago, em países vizinhos, agora estão cobertas de panfletos e cartazes oferecendo cursos de português.
Durante 850 anos, nossos vizinhos disseram que não havia futuro para o português, disse Soares, da comunidade, referindo-se à Espanha. Mas aqui estamos, ainda. A dinâmica da língua pode vir do Brasil, mas não tenho dúvidas de que o português como idioma continuará viável.
Tradução: Deborah Weinberg