Professor de linguística da UnB defende: ‘não
existe erro de português’
Imagine se a partir de hoje o ensino da gramática fosse extinto e, com isso, todo mundo estivesse livre da norma culta da língua portuguesa. Não teria mais problema soltar um “a gente somos” aqui, um “nóis merece” acolá. Nem causaria tanto espanto falar em “amar ela”, ao invés de “amá-la”. Sem regras para seguir, a tendência seria que o medo de cometer deslizes na hora de se expressar desaparecesse com o tempo. Essa é aposta do lingüista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Marcos Bagno. Ele defende que, numa visão científica da língua, simplesmente não existe erro de português.
“O erro de português é uma invenção sociocultural, não tem nenhum fundamento na realidade da língua, como sistema de comunicação e como faculdade cognitiva do ser humano. A idéia de que existem formas ‘certas’ de falar e formas ‘erradas’ é um produto exclusivo da ideologia, das relações de conflito e das brigas de poder na sociedade. Não tem nada a ver com a língua, propriamente dita”, argumenta Bagno, autor do livro Preconceito lingüístico - o que é, como se faz.
Na opinião do lingüista, mestre em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), eleger um modo certo de falar representa uma forma de exclusão social. “Muitas vezes, é uma dominação sutil, velada. As conseqüências disso são os sentimentos de baixa auto-estima lingüística que caracteriza a nossa sociedade. A enorme maioria dos brasileiros acredita piamente que não sabe português, que português é muito difícil e outras bobagens do tipo”, analisa o professor.
Segundo Bagno, o ensino da gramática vem sendo contestado em todo mundo há pelo menos 30 anos. Um grupo de lingüistas, do qual ele faz parte, acredita que é preciso mudar o papel da escola no letramento dos alunos. “Do que adianta fazer a pessoa decorar o que é uma ‘oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo’ sem permitir que ela consiga se expressar adequadamente no momento de falar e, sobretudo, de escrever?”, questiona.
A jornalista e escritora Dad Squarisi, especialista em Lingüística e mestre em Teoria da Literatura, também encara a língua culta como uma imposição das classes mais letradas. No entanto, sustenta que é preconceito excluir das escolas o ensino da gramática considerada correta. “A pessoa deve ter a oportunidade de escolher ou não pela linguagem culta. Mas ninguém pode privá-la de ter acesso às normas. Isso tinha que dar cadeia”, opina.
A libanesa Dad, que vive em Brasília desde 1968, ressalva que almejar a norma culta da língua não se trata de artificialismo ou pedantismo. “A língua não pode servir de camisa de força. Mas é um sistema de possibilidades que amplia o leque do conhecimento e pode ser usado a nosso favor”, detalha a jornalista, autora de quatro livros, entre eles A arte de escrever bem.
A vitória do presidente Lula nas eleições é, para Dad, um exemplo de como o domínio da língua culta possibilita avanços. “O Lula percebeu que não daria para ser presidente do país falando do jeito que ele falava no início de sua trajetória política. Com aquela linguagem, ninguém votaria nele”, avalia. “Não é preciso erudição, mas o domínio da norma facilita o acesso à universidade e a conquista de um bom emprego”, completa.
A cozinheira Vânia da Silva, 31 anos, freqüentou a escola até a quarta série do Ensino Fundamental. Ela conta que não domina o português muito bem. Mas diz que isso não faz diferença. “O que importa é o caráter da pessoa. A gente vê na televisão tanta gente falando errado. Qualquer um pode errar. Não é porque eu não falo direito que eu sou burra”, comenta. O estudante de Biologia Edmilson Rocha, 30 anos, defende que não é preciso se esforçar para não tropeçar no português a todo instante. “Para contar uma história numa roda de amigos, não há motivo para ser tão rigoroso. Mas com uma namorada nova ou numa entrevista de emprego, por exemplo, é diferente”, compara