Estimativa é que maioria dos professores de 5ª a 8ª série e do ensino médio não concluiu curso da disciplina que leciona
O Globo
O Ministério da Educação (MEC) estima que até dois terços dos professores brasileiros de 5ª a 8ª série e do ensino médio não têm formação adequada para lecionar, isto é, não concluíram o curso de licenciatura plena para a disciplina que ensinam. A situação mais grave é a de física e química, em que o número de docentes formados nos últimos 25 anos, em todo o país, não é suficiente: faltam professores com a formação adequada nessas duas áreas.
Recém-concluída pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a estimativa mostra que 694 mil vagas de professor eram preenchidas, em 2003, por profissionais sem a formação adequada, o equivalente a 66% do total. A maioria tinha diploma de nível superior, mas em outras áreas. É o caso de engenheiros que lecionam matemática ou mesmo de professores licenciados para uma disciplina, mas que ensinam outra.
- É um número alarmante, que ajuda a entender a baixa qualidade da educação básica brasileira - diz o ex-secretário de Educação Média e Tecnológica do MEC Antonio Ibañez Ruiz, que integra a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.
O estudo do Inep foi feito a pedido do conselho, que vai propor ações emergenciais ao governo para suprir a falta de professores com formação adequada no país. O assunto será tratado na próxima reunião da Câmara de Educação Básica, no fim do mês. Ibañez preside a comissão encarregada do tema, que é formada também pelo ex-ministro da Educação Murílio Hingel e pelo ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed) Mozart Neves Ramos.
Ibañez defende que o MEC incentive as universidades públicas a criar cursos noturnos de licenciatura, além de dar bolsas para os estudantes. Acima de tudo, diz ele, o governo federal deve liderar o enfrentamento do problema. Para Ibañez, a Universidade Aberta do Brasil, que vai oferecer cursos à distância, é uma boa iniciativa, mas a sua implantação precisa ser acelerada.
Física é a disciplina que enfrenta a situação mais difícil. De 1981 a 2005, apenas 17.941 professores concluíram o curso de licenciatura, segundo a estimativa do Inep. Pior: das 65.668 vagas de docente em todo o país, somente 9% (6.196) eram preenchidas por profissionais com a formação adequada. Em química, eram apenas 13% na mesma situação.
O secretário de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, diz que é comum a realização de concursos públicos para professores de matemática, química, física e biologia em que o edital já prevê a possibilidade de profissionais de outras áreas lecionarem. Araújo é presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco e afirma que isso ocorreu nos últimos quatro concursos da rede pernambucana:
- Representantes comerciais, engenheiros, advogados fazem concurso para complementar o salário. É um bico - diz o sindicalista.
A estimativa foi realizada pelo coordenador-geral de Sistema Integrado de Informações Educacionais do Inep, Carlos Eduardo Moreno Sampaio; pela coordenadora de Análise Estatística, Liliane Aranha Oliveira; e pela consultora Vanessa Néspoli. O estudo partiu do Censo dos Profissionais do Magistério da Educação Básica, realizado em 2003. O documento foi produzido a partir de estimativas feitas com base num levantamento que cobriu 64% do magistério. Para fechar o estudo, os técnicos partiram do pressuposto de que o perfil dos professores não recenseados seguiria o mesmo padrão dos demais.
Segundo Moreno, essa é a principal fragilidade estatística da estimativa. No censo, os professores indicavam a sua formação inicial, ou seja, qual curso fizeram antes de começar a lecionar. É possível que parte deles tenha concluído a licenciatura específica posteriormente ao ingresso na carreira, de modo que já teria a formação adequada, embora isso não apareça no estudo. Da mesma forma, o Inep sabia o número de professores formados nos cursos de licenciatura de 1990 a 2005. Para o período de 1981 a 1989, porém, considerou o número registrado em 1990.
Apesar da fragilidade estatística, Moreno afirma que é possível chegar a conclusões sem medo de errar:
- Por mais que a gente possa ter errado, física e química têm problemas. Se todo mundo (profissionais formados) fosse lecionar, ainda assim não seria suficiente para atender a demanda - diz Moreno.