Interesse da família pela vida escolar dos alunos faz a diferença no desempenho de

crianças e adolescentes, como revela pesquisa do MEC. Em colégios das áreas mais

carentes do DF, pais que não tiveram acesso ao ensino fundamental mostram como a

dedicação aos filhos constrói uma esperança de futuro. Leia, no próximo dia 25, a

última reportagem da série

 

Da Equipe do Correio Braziliense

As famílias Pereira e Gonçalves vivem na Vila Estrutural.

Hoje, os padrões sociais e financeiros não são muito

diferentes nas duas casas mas, de acordo com estudos e

pesquisas, é provável que as crianças das duas famílias

tenham futuros bastante distintos. O diferencial está em

um pequeno detalhe: a participação dos pais na vida

escolar dos filhos. O Ministério da Educação (MEC)

mapeou os hábitos dos melhores alunos em duas das

provas que aplica com regularidade — o Sistema de

Avaliação da Educação Básica (Saeb), que afere o nível

de estudantes de 10 a 15 anos, e o Enade, que mira os

universitários.

O resultado confirmou o que educadores repetem há anos:

a presença dos pais é um dos fatores que mais têm

influência sobre o desempenho dos estudantes. Pela

constatação do MEC, há melhora de 10% nas médias de

desempenho quando os adultos conversam com os seus

filhos sobre o que acontece na escola. Em relação ao

dever de casa, se os pais cobram que os filhos façam a

lição, a média é 8% superior.

Antônio Coelho Gonçalves, pai de Gabriel, de 8 anos, e

Flaviana, de 7 anos, estudou até a 5ª série do ensino

fundamental e trabalha à noite em uma transportadora.

Nesse período, as crianças ficam com a mãe. Quando

chega do trabalho, Antônio encontra os filhos se

preparando para a aula na Escola Classe 1 da Estrutural.

Conversa com a dupla sobre a rotina e elogia a disposição

dos dois de ir para a escola, fazer o dever de casa e cuidar

dos cadernos e livros. Filho de pai e mãe analfabetos, ele

sonha com o dia em que as crianças se tornarão adultos

independentes e capazes. “Quero o que é melhor para

eles. Participo das reuniões na escola e converso sempre

com os professores”, conta.

A rotina da família Pereira é bem diferente. Liane Rosa

Pereira, de 28 anos, passa o dia inteiro fora de casa,

trabalhando. Quando os cinco filhos — Alan, 9, Mônica, 8, Etiene, 5, Vitória, 3, e

Fotos Paulo H.

CarvalhoCB

SEMPRE PRESENTE

Antônio trabalha à noite

mas não descuida do apoio a

Gabriel e Flaviana:

conversas diárias e elogios

SOLIDÃO

Mãe de Alan, Etiene,

Mônica e Vitória faz a

comida e sai cedo para o

trabalho: crianças sem

acompanhamento

Evelin, 2 — acordam, ela já deixou o almoço pronto e sai u. O mais velho esquenta a

comida por volta das 11h30. Uma hora depois, Alan, Mônica e Etiene vão para a escola.

As duas menores ficam com a tia. Assim como Antônio, Liane também estudou só até a

5ª série. Mas ela não participa da rotina escolar dos três filhos. Só vai à escola do Guará,

onde estudam os dois mais velhos, e à Escola Classe da Estrutural, da caçula, na época

da matrícula.

A única escola da Estrutural tem 1.460 alunos. De acordo com a diretora, Marlene

Cristina dos Reis, a proximidade das casas das crianças e a idade delas fazem com que

90% dos pais tenham algum envolvimento com o colégio. O número é alto para os

padrões do DF. “Pode parecer que vivemos em um mar de rosas. Não se engane. Os que

não aparecem por aqui são os pais dos 150 com maiores problemas de aprendizado”,

observa Marlene. “A relação é imediata.”

Além de comprovadamente positivo, o envolvimento dos pais é um direito dos filhos.

Luísa Marillack Xavier, promotora de Justiça da Infância e Juventude, do Ministério

Público do DF, explica que a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA) garantem aos brasileiros com menos de 18 anos o pleno exercício familiar.

“Além de ciência do processo pedagógico, os pais devem garantir a presença dos filhos

na escola e preservar o direito delas de aprender”, afirma a promotora.

Pais voluntários

Onésio Monteiro da Silva, de 41 anos, pode confirmar a tese de que a parceria entre pais

e escola contribui para a melhoria do desempenho de crianças e adolescentes. Paulo

Henrique, de 8 anos, cursa o 3º ano de alfabetização na Escola Classe 16 de Taguatinga.

Luta desde pequeno com a dificuldade de fala e comunicação. “Pagava, com muito

sacrifício, escola particular para ele, mas não via avanço”, lembra Onésio. Naquela

época, ele e a mulher trabalhavam o dia inteiro.

No início do ano, ele trocou de emprego. Hoje, trabalha no metrô à noite e os filhos

foram transferidos para a rede pública. “A d ireção do colégio nos orientou a estarmos

presentes na formação dele, parabenizar as conquistas para aumentar a auto-estima e

mostrar que nos importamos com ele. O resultado foi impressionante e hoje ele já se

comunica melhor”, orgulha-se.

Onésio não está sozinho. Na Escola Classe 16, um grupo grande de pais freqüenta a

escola rotineiramente, incentivado pela diretora Neiva Mota Torquato. “Quando os pais

não podem vir dou uma espécie de dever de casa para a família. Da última vez, foi

construir robôs com material reciclado”, conta Neiva.

A prática criou inclusive um programa de pais voluntários. Como mora longe, na zona

rural de Águas Lindas de Goiás, a dona-de-casa Marina Nogueira Neves, 45 anos, leva a

filha Amanda, 10, para o colégio e fica lá ajudando até o fim da aula. “Gosto de ter

minha mãe aqui. Todo mundo chama ela de tia”, diz Amanda. A menina, que antes

estudava em uma escola rural, hoje é uma das melhores da turma.

Coordenadora do curso de té cnicas para intervenção com famílias e grupos

interfamiliares da Secretaria de Educação do DF, Helen Vieira Rodrigues explica que os

exemplos do colégio de Taguatinga estão cada vez mais comuns na rede de ensino.

“Depois de um período de solidão nas relações, os pais estão começando a voltar para a

escola”, conta. A mudança, no entanto, não ocorre sem esforço. “Temos públicos

distintos, alunos que convivem com violência, pobreza e baixa auto-estima no meio de

outros que se relacionam bem com a família. Os orientadores educacionais devem fazer

projetos levando em conta os desafios de cada escola”, explica. No último curso, entre

2004 e 2005, 200 dos 345 orientadores da rede do DF foram capacitados para envolver

os pais.

O exemplo da leitura

O ato de virar uma página de livro parece simples, mas

pode fazer muita diferença na vida de uma criança. Ver os

pais lendo dá um impulso no desempenho escolar dos

filhos. E não precisa nem ser um livro infantil lido em voz

alta, à noite, à beira da cama, antes da criança dormir. É o

simples ato de ler. A constatação foi do Ministério da

Educação (MEC), com base nos resultados do Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), há três

anos.

Os alunos da 4ª série do ensino fundamental que sempre

vêem a mãe ou o pai lendo obtiveram média 13% maior

na prova de língua portuguesa do que aqueles que

afirmaram que a mãe não tem o mesmo hábito. Enquanto a pontuação dos primeiros foi

de 172,6, a dos outros ficou em 152,6. Seu Didi, como José Guilherme Silva gosta de

ser chamado, não conhece esse estudo. Até porque não teve contato estreito com o

ensino formal em seus 48 anos de vida. Ele estudou só até a 1ª série do fundamental, no

interior da Bahia . “Trabalhava na roça com meus pais e irmãos e todo mundo ficou sem

estudar para ajudar na lida”, lembra.

Exatamente por isso, Didi é insistente com a educação dos filhos. “Quem sabe não está

nos estudos o futuro dos meus meninos. Quando eu era criança, tudo era difícil demais”,

conta o morador da Estrutural. Na falta de livros, revistas e até mesmo gibis de histórias

em quadrinhos, ele lê nos fins de semana a Bíblia para os dois meninos e as duas

meninas — quatro dos seus 13 filhos e spalhados pelo país. “Livro é muito caro e a

gente não pode abrir mão do nosso dinheirinho suado que vai para o arroz, o feijão e os

remédios. Mas sempre podemos contar com a palavra de Deus”, resigna-se.

“A gente pára de brincar, senta com meu pai e ele lê bem devagazinho para a gente.

Depois explica o que contou”, detalha Vitória, de 5 anos. A menina ainda não estuda,

mas a mãe, Juciara dos Santos Silva, de 25 anos, já tenta uma vaga para a pequena na

Escola Classe da Estrutural par a o ano que vem. Com história bem semelhante à do

marido Didi, Juciara também veio da Bahia e pouco estudou: só até a 2ª série do

fundamental. “Eu quase não leio. Só endereço”, afirma. “Mas meus filhos vão ter uma

vida melhor, pode escrever aí”, garante. (EK)

FUTURO

Didi lê sempre a Bíblia para

os filhos: “Livro é muito

caro”

Em busca da parceria

A preocupação com os filhos não pode ser restrita aos

pequenos. A participação dos pais também faz a diferença

na vida de adolescentes e jovens. No entanto, segundo

professores ouvidos pelo Correio, a maioria dos pais

encara a chegada à juventude e ao ensino médio como

serviço acabado na formação escolar dos filhos. A prova

disso pode ser vista a poucos quilômetros da Esplanada

dos Ministérios. No colégio de ensino médio Gisno,

localizado na Asa Norte, professores e dir etores tiveram

que pensar estratégias para garantir a ida dos pais à escola

pelo menos uma vez por bimestre: só entregam o boletim

para eles.

Mesmo assim, menos de 30% dos adultos comparecem à

escola. “Ficamos dias disponíveis, inclusive no sábado,

esperando os pais para dialogar sobre o desempenho e a

formação dos alunos. Assim, a gente dribla os argumentos

de falta de tempo”, afirma Joselito Almeida, vice-diretor

do colégio. “Ainda assim, poucos aparecem aqui. Alguns

telefonam ou ma ndam bilhete, o que, definitivamente,

não é a mesma coisa.” Depois de 15 dias, a direção é

obrigada a entregar o documento para todos e passa a esperar os pais no próximo

semestre.

Modelo superado

Joselito, no entanto, não desiste. Preocupado com o desempenho dos estudantes, o vicediretor

assume o papel de educador para vários alunos. E chega a desenvolver um

cronograma de estudos para os que têm maior dificuldade acadêmica. “Quando percebo

que o aluno pode perder o ano ou está com problemas de aprendizado em alguma

matéria, tento criar uma rotina de estudos e passo para pais e

filhos”, conta. Quando tem tempo, chega a telefonar para alguns desses adolescentes no

horário marcado para os estudos só para garantir que eles estão mesmo enfrentando os

livros.

A professora de sociologia Kátia Ivo ressalta que o acompanhamento dos pais é

fundamental e deve ser incentivado desde cedo. Segundo ela, no entanto, o modelo

escolar precisa de mudanças para se adaptar aos novos tempos, em que pai e mãe muitas

vezes trabalham ou não dividem o mesmo teto, nem as responsabilidades. “As

estruturas não são mais tradicionais e o sistema precisa evoluir para que a participação

seja natural”, observa. Mas a principal queixa da professora não é esse descompasso.

“Estamos cada vez mais responsáveis pela formação dos jovens, mas também não temos

tempo”, reconhece, mostrando a pilha de diários de classe. Kátia tem 13 turmas com

uma média de 50 alunos cada. “ Os jovens estão abandonados e o ensino médio pede

socorro.” (EK)

SEM TEMPO

Kátia Ivo e a pilha de

diários: “O ensino médio

pede socorro”

ENTREVISTA - Fátima Guerra, pós-doutora em educação

Saída é manter o diálogo

A função de educar estará incompleta se for exclusiva da escola ou ficar apenas sob a

responsabilidade dos pais. A avaliação é da professora pós-doutora em educação Fátima

Guerra, do Departamento de Educação da Universidade de Brasília (UnB). “Não existe

uma criança que é da escola por um turno e, no resto do dia, é outra em casa no papel de

filho”, analisou, em entrevista ao Correio. Para ela, a saída é conversar sempre e mostrar

interesse pela vida escolar do filho.

A escola não é suficiente para garantir o aprendizado de crianças e jovens?

O raciocínio deve ser mais amplo. Vamos partir do seguinte pressuposto: não existe

uma criança que é da escola por um turno e que, no resto do dia, é outra em casa no

papel de filho. Educação é um processo de vida, assim como ser pai e ser mãe. Se um

engenheiro constrói uma ponte errada, ela cai. O que ocorre quando a construção da

personalidade do filho não é bem feita?

E como evitar que isso ocorra?

A palavra-chave é envolvimento. Não existe separação de papéis e, da mesma forma,

não deve existir divisão de responsabilidade. A transferência de educação é errada. Os

pais são os primeiros educadores das crianças e dos adolescentes. Quando chega a vez

da escola, ela entra na vida dos alunos com outras responsabilidades que são

complementares.

Que dicas você daria aos pais?

Conversar sempre. Manter-se em diálogo o tempo todo naturalmente. Ir à escola s

empre, não apenas quando é chamado para uma reunião. E, por fim, mostrar interesse

pela vida escolar acompanhando as tarefas sem, no entanto, invadir a privacidade do

filho.

Mas e quando os pais buscam aulas de apoio no turno contrário ao da escola para

fazer o dever?

Existem pais que, para se livrar do problema, colocam a criança na escola em um turno

e no outro mantém ela em uma escola onde vai fazer o dever de casa e rever a lição. Pai

e mãe ficam aliviados, com sensação de que as responsabilidades acabaram. Esse

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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