O Projeto Leitura, tem como objetivo vencer um dos maiores desafios encontrados pelos professores e amantes da literatura: Criar o hábito da leitura.
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Correio Braziliense, 22/02/2025
Edileuza Penha de Souza, mulher negra, ativista na luta pela igualdade de gênero e raça, professora e cineasta.
No bairro rural de Cariacica (ES), meninos e meninas da Banda de Congo Mirim de Roda d’Água encontram sua voz no couro dos tambores, despertando a força de seus ancestrais em cada toque, em cada repique.
Nos verdes vales de Roda d'Água, bairro rural de Cariacica, no Espírito Santo, onde a terra guarda memórias antigas, os tambores de Congo ressoam como corações pulsantes, ecoando histórias que o tempo jamais apagará. Entre montanhas e nascentes, no ventre das águas, meninos e meninas negras encontram sua voz no couro dos tambores, despertando a força de seus ancestrais em cada toque, em cada repique.
Tamborizar é mais que um projeto, é um chamado, um rito de passagem no qual a infância se veste de tradição e a juventude se reconhece na batida do passado. No compasso dos tambores, cada criança se descobre herdeira de um legado que atravessa o oceano, de África a Roda d'Água, dos quilombos aos terreiros, das festas aos cortejos sagrados.
Quando os tambores de Congo anunciam sua presença, o chão vibra, os corpos dançam e as vozes elevam-se em cantigas que narram resistências. São histórias vivas que se entrelaçam nas festas de Nossa Senhora da Penha, quando as bandas de Congo se unem em um espetáculo de cores e movimento para celebrar o carnaval de Congo. A festa ocorre no dia de Nossa Senhora da Penha, padroeira oficial do Espírito Santo, organizada pelas bandas de Santa Isabel de Roda d'Água, São Benedito de Piranema, São Benedito de Boa Vista e São Sebastião de Taquaruçu. Juntas e recebendo outras bandas do Estado, elas fazem do encontro um portal em que passado e presente se fundem, e a memória se faz corpo e som.
Nesse chão, a pesquisa etnográfica encontrou raízes profundas, alimentadas pelo orgulho e pela ancestralidade. O Tamborizar floresceu como um jardim de saberes, desbravando caminhos para que a história e a cultura dos tambores entrem nas escolas, nas salas de aula e nos múltiplos ambientes sociopedagógicos, para que o toque seja lição e a batida, aprendizado. Pois ensinar a partir dos tambores de Congo é resgatar a dignidade, é reafirmar que a pele negra é repositório de força, de beleza, de identidade.
No livro que nasce desse projeto, as palavras são chamados que ecoam a Lei federal nº 10.639/2003, convocando a escola para uma educação plural, em que a cultura afro-brasileira não seja apenas lembrada, mas vivida. Essa lei, sancionada há 22 anos, torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas, promovendo o reconhecimento da contribuição dos povos africanos para a formação social, econômica e cultural do Brasil.
Ao garantir que a ancestralidade negra seja incorporada nos currículos escolares, a lei busca combater o racismo estrutural e fortalecer a identidade das crianças negras e, ao mesmo tempo, proporcionando a todas uma diversidade e pluralidade necessárias à criação de um mundo mais justo e fraterno. Entre as páginas do livro, crianças, adolescentes e adultos encontram possibilidades de aguçar a imaginação e de escutarem os sons que vêm de longe e que agora pertencem a eles, devolvendo-lhes o sentido de pertencimento.
Tamborizar é resistência, é reexistência. É o rito que transforma, o som que acorda a alma, a memória que se faz viva no corpo de quem toca, dança e aprende. Em Roda d'Água, os tambores seguem tocando, e cada batida é um passo para o futuro, onde a cultura negra segue forte, presente e inapagável, como o eco dos tambores que nunca cessam de chamar.
Patrocinado pelo Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal, FAC/DF, o livro foi entregue a todas as bibliotecas do DF. Ele conta com os dispositivos de acessibilidade: impressão em braile (disponíveis na Biblioteca Nacional, na Biblioteca Braille Dorina Nowill, em Taguatinga, e no Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais, CEEDV, na 612 Sul) e, em breve, poderá ser ouvido como audiolivro, garantindo que pessoas com deficiência visual ou outras necessidades específicas possam ter acesso ao seu conteúdo de forma inclusiva.